Quanta propriedade nas palavras de Andresen, quando as associamos, nos
dias que correm, ao demagogo e seu clã instalados na presidência de Pindorama,
buscando levar a população a expor-se à morte, ante a pandemia de coronavírus
que assolou o país, tudo por conta de alguns empresários energúmenos – que,
certamente, apoiaram-no nas eleições –, com o objetivo de reativar a economia,
quando se sabe que, neste momento, chegamos ao ápice da expansão pela via
comunitária.
Quantas mortes serão necessárias para enquadrar o presidente no crime de
atentado à saúde pública? Neste momento, não há como não se replicar a esse
irresponsável com “fúria e raiva”, sem deixar de observar, seja como for, que,
para um irresponsável no poder, outros tantos sem consciência nele votaram,
manipulados ou não pela mídia ou por um turbilhão de “fake news” – o recurso
abominável de que lança mão a presidência para arrebanhar os incautos!
J.A.R. – H.C.
Sophia de Mello B. Andresen
(1919-2004)
Com fúria e raiva
Com fúria e raiva
acuso o demagogo
E o seu capitalismo
das palavras
Pois é preciso saber
que a palavra é sagrada
Que de longe muito
longe um povo a trouxe
E nela pôs sua alma
confiada
De longe muito longe
desde o início
O homem soube de si
pela palavra
E nomeou a pedra a
flor a água
E tudo emergiu porque
ele disse
Com fúria e raiva
acuso o demagogo
Que se promove à
sombra da palavra
E da palavra faz
poder e jogo
E transforma as
palavras em moeda
Como se fez com o
trigo e com a terra
Junho de 1974
Em: “O nome das coisas” (1977)
O Grande Dia de Sua Ira
(John Martin: pintor
inglês)
Referência:
ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner. Com
fúria e raiva. In: __________. Coral e
outros poemas. Seleção e apresentação de Eucanaã Ferraz. 1. ed. São Paulo,
SP: Companhia das Letras, 2018. p. 272.
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Um dos pequenos prazeres do meu dia é acordar e ler o poema postado nesse blog, juntamente com a pequena análise feita por ti. É bom saber que ainda existe sensatez e amor a arte no Brasil, mesmo nesses tempos difíceis. Grata!
ResponderExcluirPrezada,
ExcluirSou eu a muito agradecer pelo seu distinto comentário. Melhor ainda que você gostou e navega pelas páginas deste blog. Espero mantê-lo ainda por muito tempo, pois, como diz o Caetano, “a vida é amiga da arte / [como] o sol que atravessa essa estrada que nunca passou”!
Um abraço,
João A. Rodrigues