Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 20 de abril de 2020

Sophia de Mello Breyner Andresen - Com fúria e raiva

Quanta propriedade nas palavras de Andresen, quando as associamos, nos dias que correm, ao demagogo e seu clã instalados na presidência de Pindorama, buscando levar a população a expor-se à morte, ante a pandemia de coronavírus que assolou o país, tudo por conta de alguns empresários energúmenos – que, certamente, apoiaram-no nas eleições –, com o objetivo de reativar a economia, quando se sabe que, neste momento, chegamos ao ápice da expansão pela via comunitária.

Quantas mortes serão necessárias para enquadrar o presidente no crime de atentado à saúde pública? Neste momento, não há como não se replicar a esse irresponsável com “fúria e raiva”, sem deixar de observar, seja como for, que, para um irresponsável no poder, outros tantos sem consciência nele votaram, manipulados ou não pela mídia ou por um turbilhão de “fake news” – o recurso abominável de que lança mão a presidência para arrebanhar os incautos!

J.A.R. – H.C.

Sophia de Mello B. Andresen
(1919-2004)

Com fúria e raiva

Com fúria e raiva acuso o demagogo
E o seu capitalismo das palavras

Pois é preciso saber que a palavra é sagrada
Que de longe muito longe um povo a trouxe
E nela pôs sua alma confiada

De longe muito longe desde o início
O homem soube de si pela palavra
E nomeou a pedra a flor a água
E tudo emergiu porque ele disse

Com fúria e raiva acuso o demagogo
Que se promove à sombra da palavra
E da palavra faz poder e jogo
E transforma as palavras em moeda
Como se fez com o trigo e com a terra

Junho de 1974
Em: “O nome das coisas” (1977)

O Grande Dia de Sua Ira
(John Martin: pintor inglês)

Referência:

ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner. Com fúria e raiva. In: __________. Coral e outros poemas. Seleção e apresentação de Eucanaã Ferraz. 1. ed. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2018. p. 272.

2 comentários:

  1. Um dos pequenos prazeres do meu dia é acordar e ler o poema postado nesse blog, juntamente com a pequena análise feita por ti. É bom saber que ainda existe sensatez e amor a arte no Brasil, mesmo nesses tempos difíceis. Grata!

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    1. Prezada,
      Sou eu a muito agradecer pelo seu distinto comentário. Melhor ainda que você gostou e navega pelas páginas deste blog. Espero mantê-lo ainda por muito tempo, pois, como diz o Caetano, “a vida é amiga da arte / [como] o sol que atravessa essa estrada que nunca passou”!
      Um abraço,
      João A. Rodrigues

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