Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 7 de abril de 2020

Pierre Morhange - Canção de Ninar em Auschwitz

Da lavra de um autor francês de origem judaica, este poema, todo em dísticos, relembra o estado em que viveram os judeus no campo de concentração de Auschwitz, na Polônia, trancafiados em galpões, dormindo em estrados que mal lhes permitiam se virar para o outro lado – como bem o assinala os dois últimos versos desta fúnebre canção de ninar.

A criança a quem se dirige o ente lírico, certamente o seu genitor, já não tem o apoio e a provisão da mãe, e sofre com a fome, o sangue, as larvas, o estado de insânia e a fumaça, envolta num veludo azul, qualificado como “angustiante” – em suma, um cenário no qual o simples fato de ter saído vivo terá sido um autêntico milagre.

J.A.R. – H.C.

Pierre Morhange
(1901-1972)

Berceuse à Auschwitz

Mon bel enfant en habit bleu
Te voilà bien vêtu de velours angoissant

Mon bel enfant en habit de faim
Je suis le grand nuage où tu cherches du pain

Mon bel enfant en habit de sang
Ta mère ne peut plus te reverser le sien

Mon bel enfant en habit de vers
Ils brillent pour ta mère comme des étoiles

Mon bel enfant en habit de folie
Au crochet de mon cœur vous pendrez ces guenilles

Mon bel enfant en habit de fumée
Vous ne m’avez pas dit si je peux me tourner.

Le Blessé

Canção de Ninar
(François Nicholas Riss: pintor russo-francês)

Canção de Ninar em Auschwitz

Minha bela criança coberta por um manto azul
Estás bem vestida de um angustiante veludo

Minha bela criança coberta de fome
Sou a grande nuvem onde estás à procura de pão

Minha bela criança coberta de sangue
Tua mãe não pode mais te repassar a porção dela

Minha bela criança coberta de larvas
Elas brilham para tua mãe como estrelas

Minha bela criança coberta de insânia
No cabide do meu coração pendurarás esses trapos

Minha bela criança coberta de fumaça
Não me disseste se eu posso me virar.

O Ferido

Referência:

MORHANGE, Pierre. Berceuse à Auschwitz. In: DÉCAUDIN, Michel (Éd.). Anthologie de la poésie française du XXe siècle. Préface de Claude Roy. Édition revue et augmentée. Paris, FR: Gallimard, 2000. p. 427.

Nenhum comentário:

Postar um comentário