Da lavra de um autor francês de origem judaica, este poema, todo em
dísticos, relembra o estado em que viveram os judeus no campo de concentração
de Auschwitz, na Polônia, trancafiados em galpões, dormindo em estrados que mal
lhes permitiam se virar para o outro lado – como bem o assinala os dois últimos
versos desta fúnebre canção de ninar.
A criança a quem se dirige o ente lírico, certamente o seu genitor, já
não tem o apoio e a provisão da mãe, e sofre com a fome, o sangue, as larvas, o
estado de insânia e a fumaça, envolta num veludo azul, qualificado como “angustiante”
– em suma, um cenário no qual o simples fato de ter saído vivo terá sido um
autêntico milagre.
J.A.R. – H.C.
Pierre Morhange
(1901-1972)
Berceuse à Auschwitz
Mon bel enfant en
habit bleu
Te voilà bien vêtu de
velours angoissant
Mon bel enfant en
habit de faim
Je suis le grand
nuage où tu cherches du pain
Mon bel enfant en
habit de sang
Ta mère ne peut plus
te reverser le sien
Mon bel enfant en
habit de vers
Ils brillent pour ta
mère comme des étoiles
Mon bel enfant en
habit de folie
Au crochet de mon
cœur vous pendrez ces guenilles
Mon bel enfant en
habit de fumée
Vous ne m’avez pas
dit si je peux me tourner.
Le Blessé
Canção de Ninar
(François Nicholas
Riss: pintor russo-francês)
Canção de Ninar em Auschwitz
Minha bela criança coberta por um manto azul
Estás bem vestida de um angustiante
veludo
Minha bela criança coberta de fome
Sou a grande nuvem onde estás à procura
de pão
Minha bela criança coberta de sangue
Tua mãe não pode mais te repassar a
porção dela
Minha bela criança coberta de larvas
Elas brilham para tua mãe como estrelas
Minha bela criança coberta de insânia
No cabide do meu coração pendurarás esses trapos
Minha bela criança coberta de fumaça
Não me disseste se eu posso me virar.
O Ferido
Referência:
MORHANGE, Pierre. Berceuse à Auschwitz.
In: DÉCAUDIN, Michel (Éd.). Anthologie
de la poésie française du XXe siècle. Préface de Claude Roy. Édition revue
et augmentée. Paris, FR: Gallimard, 2000. p. 427.
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