O poeta chileno fala-nos, aqui, das circunstâncias em que esteve
envolvido desde a infância, agindo como um tolo, porque, segundo ele, não teria
nascido para “competir”: tudo lhe era surrupiado de algum modo, dos cigarros e
aspirinas às garotas, aos lápis e às borrachas, com uma cotovelada, um empurrão
ou mesmo por uma mirada acintosa de reprovação – sem que ele ousasse se
rebelar.
Como inclino-me a ler as coisas sempre em forma de associação com outras
que já me passaram pelos olhos, não poderia deixar de relacionar este poema de
Neruda, falando de seus insucessos, com o “Poema em linha reta”, de Álvaro de
Campos, um dos heterônimos de Fernando Pessoa, que, em seus dois versos
preambulares, assim nos provoca: “Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos
os meus conhecidos têm sido campeões em tudo”.
J.A.R. – H.C.
Pablo Neruda
(1904-1973)
El Incompetente
Nací tan malo para
competir
que Pedro y Juan se
lo llevaban todo:
las pelotas,
las chicas,
las aspirinas y los
cigarrillos.
Es difícil la
infancia para un tonto
y como yo fui
siempre más tonto que
los otros tontos
me birlaron los
lápices, las gomas
y los primeros besos
de Temuco.
Ay, aquellas
muchachas!
Nunca vi unas
princesas como ellas,
eran todas azules o
enlutadas,
claras como cebollas,
como el nácar,
manos de precisión,
narices puras,
ojos insoportables de
caballo,
pies como peces o
como azucenas.
Lo cierto es que yo
anduve
esmirriado y
cubriendo con orgullo
mi condición de
enamorado idiota,
sin atreverme a mirar
una pierna
ni aquel pelo detrás
de la cabeza
que caía como una
catarata
de aguas oscuras
sobre mis deseos.
Después, señores, me
pasó lo mismo
por todos los caminos
donde anduve,
de un codazo o con
dos ojos fríos
me eliminaban de la
competencia,
no me dejaban ir al
comedor,
todos se iban de
largo con sus rubias.
Y yo no sirvo para
rebelarme.
Esto de andar
luciendo
méritos o medallas
escondidas,
nobles acciones,
títulos secretos,
no va con mi pasmada
idiosincrasia;
yo me hundo en mi
agujero
y de cada empujón que
me propinan
retrocediendo en la
zoología
me fui como los
topos, tierra abajo,
buscando un
subterráneo confortable
donde no me visiten
ni las moscas.
Esa es mí triste
historia
aunque posiblemente
menos triste
que la suya, señor,
ya que también
posiblemente pienso,
pienso que usted es
aun más tonto todavía.
O demônio sentado
(Mikhail Vrubel:
pintor russo)
O Incompetente
Nasci tão mal para
competir
que Pedro e João se
apropriavam de tudo:
as bolas,
as meninas,
as aspirinas e os
cigarros.
É difícil a infância
para um tolo
e como fui
sempre mais tolo que
os outros tolos
me afanaram os lápis,
as borrachas
e os primeiros beijos
de Temuco.
Ah, aquelas garotas!
Nunca vi umas
princesas como elas,
eram todas azuis ou
enlutadas,
claras como cebolas,
como o nácar,
mãos de precisão,
narizes puros,
olhos insuportáveis
de cavalo,
pés como peixes ou
como açucenas.
O certo é que andei
esmirrado e cobrindo
com orgulho
minha condição de
apaixonado idiota,
sem atrever-me a
olhar uma perna
nem aquele cabelo por
trás da cabeça
que caía como uma
catarata
de águas escuras
sobre meus desejos.
Mais tarde, senhores,
passou-se-me o mesmo
por todos os caminhos
por onde andei,
de uma cotovelada ou
com dois olhos frios
eliminavam-me da
competição,
não me deixavam ir à
sala de jantar,
todos se iam de
comprido com suas louras.
E eu não sirvo para
me rebelar.
Isso de andar
exibindo
méritos ou medalhas
escondidas,
nobres ações, títulos
secretos,
não combina com minha
pasmada idiossincrasia;
eu me afundo em minha
toca
e de cada empurrão recebido
retrocedendo na
biologia
fui-me como as
toupeiras, terra abaixo,
buscando um subterrâneo
confortável
onde nem as moscas fossem
capazes de me visitar.
Essa é a minha triste
história
embora possivelmente menos triste
que a sua, senhor,
já que também
possivelmente penso,
penso que você seja mesmo
ainda mais tolo.
Referência:
NERUDA, Pablo. El incompetente. In:
__________. Antología poética.
Edición de Rafael Alberti. 1. ed. La Plata, AR: Planeta, nov. 1996. p. 462-463.
(Ediciones ‘Planeta Bolsillo’)
❁
Muito bem lembrado este competente poema que lida ironicamente com aqueles que se arrogam superiores mas carregam tantas incompetências, como a insensibilidade, a insossiabilidade e a apatia.
ResponderExcluirMuito bem lembrado, Carlos: e há tantas pessoas assim neste país, sem os mínimos escrúpulos ou qualquer sentido de integridade! Veja como está a nossa política!
ExcluirUm abraço,
João A. Rodrigues