Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 13 de abril de 2020

Pablo Neruda - O Incompetente

O poeta chileno fala-nos, aqui, das circunstâncias em que esteve envolvido desde a infância, agindo como um tolo, porque, segundo ele, não teria nascido para “competir”: tudo lhe era surrupiado de algum modo, dos cigarros e aspirinas às garotas, aos lápis e às borrachas, com uma cotovelada, um empurrão ou mesmo por uma mirada acintosa de reprovação – sem que ele ousasse se rebelar.

Como inclino-me a ler as coisas sempre em forma de associação com outras que já me passaram pelos olhos, não poderia deixar de relacionar este poema de Neruda, falando de seus insucessos, com o “Poema em linha reta”, de Álvaro de Campos, um dos heterônimos de Fernando Pessoa, que, em seus dois versos preambulares, assim nos provoca: “Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo”.

J.A.R. – H.C.

Pablo Neruda
(1904-1973)

El Incompetente

Nací tan malo para competir
que Pedro y Juan se lo llevaban todo:
las pelotas,
las chicas,
las aspirinas y los cigarrillos.

Es difícil la infancia para un tonto
y como yo fui
siempre más tonto que los otros tontos
me birlaron los lápices, las gomas
y los primeros besos de Temuco.

Ay, aquellas muchachas!
Nunca vi unas princesas como ellas,
eran todas azules o enlutadas,
claras como cebollas, como el nácar,
manos de precisión, narices puras,
ojos insoportables de caballo,
pies como peces o como azucenas.

Lo cierto es que yo anduve
esmirriado y cubriendo con orgullo
mi condición de enamorado idiota,
sin atreverme a mirar una pierna
ni aquel pelo detrás de la cabeza
que caía como una catarata
de aguas oscuras sobre mis deseos.

Después, señores, me pasó lo mismo
por todos los caminos donde anduve,
de un codazo o con dos ojos fríos
me eliminaban de la competencia,
no me dejaban ir al comedor,
todos se iban de largo con sus rubias.

Y yo no sirvo para rebelarme.

Esto de andar luciendo
méritos o medallas escondidas,
nobles acciones, títulos secretos,
no va con mi pasmada idiosincrasia;
yo me hundo en mi agujero
y de cada empujón que me propinan
retrocediendo en la zoología
me fui como los topos, tierra abajo,
buscando un subterráneo confortable
donde no me visiten ni las moscas.

Esa es mí triste historia
aunque posiblemente menos triste
que la suya, señor,
ya que también posiblemente pienso,
pienso que usted es aun más tonto todavía.

O demônio sentado
(Mikhail Vrubel: pintor russo)

O Incompetente

Nasci tão mal para competir
que Pedro e João se apropriavam de tudo:
as bolas,
as meninas,
as aspirinas e os cigarros.

É difícil a infância para um tolo
e como fui
sempre mais tolo que os outros tolos
me afanaram os lápis, as borrachas
e os primeiros beijos de Temuco.

Ah, aquelas garotas!
Nunca vi umas princesas como elas,
eram todas azuis ou enlutadas,
claras como cebolas, como o nácar,
mãos de precisão, narizes puros,
olhos insuportáveis de cavalo,
pés como peixes ou como açucenas.

O certo é que andei
esmirrado e cobrindo com orgulho
minha condição de apaixonado idiota,
sem atrever-me a olhar uma perna
nem aquele cabelo por trás da cabeça
que caía como uma catarata
de águas escuras sobre meus desejos.

Mais tarde, senhores, passou-se-me o mesmo
por todos os caminhos por onde andei,
de uma cotovelada ou com dois olhos frios
eliminavam-me da competição,
não me deixavam ir à sala de jantar,
todos se iam de comprido com suas louras.

E eu não sirvo para me rebelar.

Isso de andar exibindo
méritos ou medalhas escondidas,
nobres ações, títulos secretos,
não combina com minha pasmada idiossincrasia;
eu me afundo em minha toca
e de cada empurrão recebido
retrocedendo na biologia
fui-me como as toupeiras, terra abaixo,
buscando um subterrâneo confortável
onde nem as moscas fossem capazes de me visitar.

Essa é a minha triste história
embora  possivelmente menos triste
que a sua, senhor,
já que também possivelmente penso,
penso que você seja mesmo ainda mais tolo.

Referência:

NERUDA, Pablo. El incompetente. In: __________. Antología poética. Edición de Rafael Alberti. 1. ed. La Plata, AR: Planeta, nov. 1996. p. 462-463. (Ediciones ‘Planeta Bolsillo’)

2 comentários:

  1. Muito bem lembrado este competente poema que lida ironicamente com aqueles que se arrogam superiores mas carregam tantas incompetências, como a insensibilidade, a insossiabilidade e a apatia.

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    1. Muito bem lembrado, Carlos: e há tantas pessoas assim neste país, sem os mínimos escrúpulos ou qualquer sentido de integridade! Veja como está a nossa política!
      Um abraço,
      João A. Rodrigues

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