O teor deste poema de Dickinson tem algo de ambivalente: tanto pode ser
lido (i) como direcionado a um pretendente – talvez a leitura mais precisa –, de
quem ela teria inveja de tudo ao seu redor, dos mares onde navega, das
carruagens, das colinas que o observam passar, das corruíras, da mosca que
pousa em sua vidraça e até das ramagens, (ii) bem assim como uma espécie de canto
religioso, dedicado ao amor de Deus e às belezas por Ele criadas, dadas as
menções aos céus e ao anjo Gabriel.
A alusão aos brincos do conquistador espanhol Francisco Pizarro
(1478-1541) – que entrou para a História como quem submeteu o Império Inca ao
poderio de seu país – não deixa de provocar no leitor certa perplexidade,
dada a própria matéria que conforma o poema – designadamente, o amor, mesmo que
velado –, em plena oposição ao contexto nada cordial da conquista de terras
peruanas por forças arregimentadas pelo espanhol.
J.A.R. – H.C.
Emily Dickinson
(1830-1886)
I envy Seas, whereon He rides
I envy Seas, whereon
He rides –
I envy Spokes of
Wheels
Of Chariots, that Him
convey –
I envy Crooked Hills
That gaze upon His
journey –
How easy All can see
What is forbidden
utterly
As Heaven – unto me!
I envy Nests of
Sparrows –
That dot His distant
Eaves –
The wealthy Fly, upon
His Pane –
The happy – happy
Leaves –
That just abroad His
Window
Have Summer’s leave
to play –
The Ear Rings of
Pizarro
Could not obtain for
me –
I envy Light – that
wakes Him –
And Bells – that
boldly ring
To tell Him it is
Noon, abroad –
Myself – be Noon to Him
–
Yet interdict – my
Blossom –
And abrogate – my Bee
–
Lest Noon in
Everlasting Night –
Drop Gabriel – and Me
–
O anjo sobre o mar Egeu
(Ksenia Yarovaya:
pintora grega)
Invejo os mares, onde ele navega
Invejo os mares, onde
ele navega –
Invejo as rodas e os
aros
Das carruagens, que o
levam –
Invejo as colinas
encurvadas
De sua jornada,
testemunhas –
Todas as coisas podem
mirar
O que me é proibido
Como o céu, que me é
fechado!
Invejo os ninhos das
corruíras,
Que pontuam seus
distantes beirais –
Em sua vidraça, a
opulenta mosca –
As tão felizes
ramagens,
Que frente à sua
janela
Têm permissão do
estio para brincar –
O que nem os brincos
de Pizarro
Poderiam me
proporcionar.
Invejo a luz, que o
desperta
E os sinos que soam
irreverentes
E lhe dizem que,
além, a meio vai o dia –
Mas que o seu
meio-dia sou eu;
Interdita, porém, é
minha florada
E se aniquila a minha
abelha –
Para que o dia pleno
não precipite
A mim e a meu anjo em
noite eterna.
Referência:
DICKINSON, Emily. I envy seas, whereon he
rides / Invejo os mares, onde ele navega. Tradução de Ivo Bender. In:
__________. Poemas Escolhidos.
Seleção, tradução e introdução de Ivo Bender. Edição bilíngue. Porto Alegre,
RS: L&PM, 2011. Em inglês: p. 72 e 74; em português: p. 73 e 75. (Coleção
L&PM Pocket; v. 436)
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário