O poetinha descreve idiossincraticamente o que lhe parece ser a “sua
pátria”, bem mais que o simbólico contido no “auriverde pendão da terra”, a
teor dos versos do poeta baiano. É o exílio de Gonçalves Dias, a constelação do
Cruzeiro do Sul. É a “mãe gentil” vilipendiada por seus próprios filhos, o “libertas
quae sera tamen” dos inconfidentes mineiros.
Mas tão “pobrinha” é Pindorama aos olhos de Vinicius, um “Brasil” que se
apresenta como uma “esperança acorrentada”, sem lábaro ou florão dignificantes,
a ponto de não se poder verter senão “lágrimas amargas”. Parodio então Bilac, contudo
rumo à troça: “Ama, com fé e orgulho, a terra em que nasceste! / Criança! não
verás nenhum país como este!”, mas melhor do que este, há bastantes! (rs)
J.A.R. – H.C.
Vinicius de Moraes
(1913-1980)
Pátria minha
A minha pátria é como
se não fosse, é íntima
Doçura e vontade de chorar;
uma criança dormindo
É minha pátria. Por
isso, no exílio
Assistindo dormir meu
filho
Choro de saudades de
minha pátria.
Se me perguntarem o
que é a minha pátria, direi:
Não sei. De fato, não
sei
Como, por que e
quando a minha pátria
Mas sei que a minha
pátria é a luz, o sal e a água
Que elaboram e
liquefazem a minha mágoa
Em longas lágrimas
amargas.
Vontade de beijar os
olhos de minha pátria
De niná-la, de
passar-lhe a mão pelos cabelos...
Vontade de mudar as
cores do vestido (auriverde!) tão feias
De minha pátria, de
minha pátria sem sapatos
E sem meias, pátria
minha
Tão pobrinha!
Porque te amo tanto,
pátria minha, eu que não tenho
Pátria, eu semente
que nasci do vento
Eu que não vou e não
venho, eu que permaneço
Em contato com a dor
do tempo, eu elemento
De ligação entre a
ação e o pensamento
Eu fio invisível no
espaço de todo adeus
Eu, o sem Deus!
Tenho-te no entanto
em mim como um gemido
De flor; tenho-te
como um amor morrido
A quem se jurou;
tenho-te como uma fé
Sem dogma; tenho-te
em tudo em que não me sinto a jeito
Nesta sala
estrangeira com lareira
E sem pé-direito.
Ah, pátria minha,
lembra-me uma noite no Maine, Nova Inglaterra
Quando tudo passou a
ser infinito e nada terra
E eu vi alfa e beta de Centauro escalarem o monte até o céu
Muitos me
surpreenderam parado no campo sem luz
À espera de ver
surgir a Cruz do Sul
Que eu sabia, mas
amanheceu...
Fonte de mel, bicho
triste, pátria minha
Amada, idolatrada,
salve, salve!
Que mais doce
esperança acorrentada
O não poder dizer-te:
aguarda...
Não tardo!
Quero rever-te,
pátria minha, e para
Rever-te me esqueci
de tudo
Fui cego, estropiado,
surdo, mudo
Vi minha humilde
morte cara a cara
Rasguei poemas,
mulheres, horizontes
Fiquei simples, sem
fontes.
Pátria minha... A
minha pátria não é florão, nem ostenta
Lábaro não; a minha
pátria é desolação
De caminhos, a minha
pátria é terra sedenta
E praia branca; a
minha pátria é o grande rio secular
Que bebe nuvem, come
terra
E urina mar.
Mais do que a mais
garrida a minha pátria tem
Uma quentura, um
querer bem, um bem
Um libertas quae sera tamen
Que um dia traduzi
num exame escrito:
“Liberta que serás
também”
E repito!
Ponho no vento o
ouvido e escuto a brisa
Que brinca em teus
cabelos e te alisa
Pátria minha, e
perfuma o teu chão...
Que vontade me vem de
adormecer-me
Entre teus doces
montes, pátria minha
Atento à fome em tuas
entranhas
E ao batuque em teu
coração.
Não te direi o nome,
pátria minha
Teu nome é pátria
amada, é patriazinha
Não rima com mãe
gentil
Vives em mim como uma
filha, que és
Uma ilha de ternura:
a Ilha
Brasil, talvez.
Agora chamarei a
amiga cotovia
E pedirei que peça ao
rouxinol do dia
Que peça ao sabiá
Para levar-te presto
este avigrama:
“Pátria minha,
saudades de quem te ama…
Vinicius de Moraes.”
Bom dia, # 1
(Malu Delibo: pintora
paulista)
Referência:
MORAES, Vinicus. Pátria minha. In:
ANDRADE, Mário de et al. 50 poemas de
revolta. 1. ed. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2017. p. 98-102.
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