Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 21 de abril de 2020

Mario Benedetti - Salário

O ente lírico, neste poema, dedica-se a remoer o fato de que se sente frustrado de não ter chegado a ser exatamente aquilo que poderia ter sido, muito embora veja num feixe de bilhetes que representam a sua paga certo amparo à esperança de ver realizados alguns de seus sonhos – se é que, nalgum dia, eles não possam vir a se materializar de pronto, caso venha a embolsar recursos num sorteio lotérico.

É a vida de muitos que trabalham sob o domínio do capital, recebendo valores limitados, sempre deixando para o amanhã tudo aquilo a que aspiram e que não caiba na medida de seus orçamentos: diria a maior parte, v.g., dos que residem em Pindorama, cuja felicidade é receber o salário num dia, gastá-lo no outro, e passar os restantes dias do mês à espera do próximo salário – isto é, se não houver dispensa no meio do caminho!

J.A.R. – H.C.

Mario Benedetti
(1920-2009)

Sueldo

Aquella esperanza que cabía en un dedal,
aquella alta vereda junto al barro,
aquel ir y venir del sueño,
aquel horóscopo de un larguísimo viaje
y el larguísimo viaje con adioses y gente
y países de nieve y corazones
donde cada kilómetro es un cielo distinto,
aquella confianza desde nos cuándo,
aquel juramento hasta nos dónde,
aquella cruzado hacia nos qué,
ese aquel que uno hubiera podido ser
con otro ritmo y alguna lotería,
en fin, para decirlo de una vez por todas,
aquella esperanza que cabía en un dedal
evidentemente no cabe en este sobre
con sucios papeles de tantas manos sucias
que me pagan, el lógico, en cada veintinueve
por tener los libros rubricados al día
y dejar que la vida transcurra,
gotee simplemente
como un aceite rancio.

En: “Poemas de la Oficina” (1953-1956)

Balsa Noturna
(Frederick H. Varley: pintor anglo-canadense)

Salário

Aquela esperança que cabia em um dedal,
aquele degrau da calçada junto à lama,
aquele ir e vir do sono,
aquele horóscopo de uma longuíssima viagem
e a longuíssima viagem com adeuses e gente
e países de neve e corações
onde cada quilômetro é um céu diferente,
aquela confiança de não sei quando,
aquela jura até não sei onde,
aquela cruzada até não sei o quê,
esse aquele que a gente podia ter sido
com outro ritmo e uma loteria,
enfim, para dizê-lo de uma vez por todas,
aquela esperança que cabia em um dedal
evidentemente não cabe neste envelope
com papéis sujos de tantas mãos sujas
que me pagam, é lógico, a cada vinte e nove
por ter os livros rubricados em dia
e deixar que a vida transcorra,
pingando simplesmente
como um azeite velho.

Em: “Poemas do Escritório” (1953-1956)

Referência:

BENEDETTI, Mario. Sueldo / Salário. Tradução de Julio Luís Gehlen. In: __________. Antologia poética. Edição bilíngue. Seleção, tradução e apresentação de Julio Luís Gehlen. Ilustrações de Luiz Trimano. Rio de Janeiro, RJ: Record, 1988. Em espanhol: p. 240; em português: p. 241.

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