O ente lírico, neste poema, dedica-se a remoer o fato de que se sente
frustrado de não ter chegado a ser exatamente aquilo que poderia ter sido,
muito embora veja num feixe de bilhetes que representam a sua paga certo amparo
à esperança de ver realizados alguns de seus sonhos – se é que, nalgum dia,
eles não possam vir a se materializar de pronto, caso venha a embolsar recursos num
sorteio lotérico.
É a vida de muitos que trabalham sob o domínio do capital, recebendo valores
limitados, sempre deixando para o amanhã tudo aquilo a que aspiram e que não
caiba na medida de seus orçamentos: diria a maior parte, v.g., dos que residem
em Pindorama, cuja felicidade é receber o salário num dia, gastá-lo no outro, e
passar os restantes dias do mês à espera do próximo salário – isto é, se não
houver dispensa no meio do caminho!
J.A.R. – H.C.
Mario Benedetti
(1920-2009)
Sueldo
Aquella esperanza que
cabía en un dedal,
aquella alta vereda
junto al barro,
aquel ir y venir del
sueño,
aquel horóscopo de un
larguísimo viaje
y el larguísimo viaje
con adioses y gente
y países de nieve y
corazones
donde cada kilómetro
es un cielo distinto,
aquella confianza
desde nos cuándo,
aquel juramento hasta
nos dónde,
aquella cruzado hacia
nos qué,
ese aquel que uno
hubiera podido ser
con otro ritmo y
alguna lotería,
en fin, para decirlo
de una vez por todas,
aquella esperanza que
cabía en un dedal
evidentemente no cabe
en este sobre
con sucios papeles de
tantas manos sucias
que me pagan, el
lógico, en cada veintinueve
por tener los libros
rubricados al día
y dejar que la vida
transcurra,
gotee simplemente
como un aceite
rancio.
En: “Poemas de la Oficina” (1953-1956)
Balsa Noturna
(Frederick H. Varley:
pintor anglo-canadense)
Salário
Aquela esperança que
cabia em um dedal,
aquele degrau da
calçada junto à lama,
aquele ir e vir do
sono,
aquele horóscopo de
uma longuíssima viagem
e a longuíssima
viagem com adeuses e gente
e países de neve e
corações
onde cada quilômetro
é um céu diferente,
aquela confiança de
não sei quando,
aquela jura até não
sei onde,
aquela cruzada até
não sei o quê,
esse aquele que a
gente podia ter sido
com outro ritmo e uma
loteria,
enfim, para dizê-lo
de uma vez por todas,
aquela esperança que
cabia em um dedal
evidentemente não
cabe neste envelope
com papéis sujos de
tantas mãos sujas
que me pagam, é
lógico, a cada vinte e nove
por ter os livros
rubricados em dia
e deixar que a vida
transcorra,
pingando simplesmente
como um azeite velho.
Em: “Poemas do Escritório” (1953-1956)
Referência:
BENEDETTI, Mario. Sueldo / Salário. Tradução
de Julio Luís Gehlen. In: __________. Antologia
poética. Edição bilíngue. Seleção, tradução e apresentação de Julio Luís
Gehlen. Ilustrações de Luiz Trimano. Rio de Janeiro, RJ: Record, 1988. Em
espanhol: p. 240; em português: p. 241.
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