Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 17 de abril de 2020

Adélia Prado - As mortes sucessivas

Relembrando os passamentos de seus familiares mais chegados – irmã, mãe e pai, nessa ordem –, Adélia afirma que depois disso jamais se consolou, apelando para a memória, sua e de conhecidos, sobre os fatos capazes de avivar atributos de seu genitor, de quem a lembrança do último sono resultou em palavras muito assemelhadas à aceitação da própria morte.

Revela-se um estado de adolescência de Adélia, pelo menos até o instante do falecimento de sua mãe, pois a autora se reporta a seus seios, ainda não plenamente desenvolvidos, afora o fato de que ao afirmar ter ficado nua naquele momento, s.m.j., tem menos um suporte denotativo que conotativo, a revelar o quanto a então adolescente sentiu o solo desaparecer sob os seus pés.

J.A.R. – H.C.

Adélia Prado
(n. 1934)

Quando minha irmã morreu eu chorei muito
e me consolei depressa. Tinha um vestido novo
e moitas no quintal onde eu ia existir.
Quando minha mãe morreu, me consolei mais lento.
Tinha uma perturbação recém-achada:
meus seios conformavam dois montículos
e eu fiquei muito nua.
Cruzando os braços sobre eles é que eu chorava.
Quando meu pai morreu, nunca mais me consolei.
Busquei retratos antigos, procurei conhecidos,
parentes, que me lembrassem sua fala,
seu modo de apertar os lábios e ter certeza.
Reproduzi o encolhido do seu corpo
em seu último sono e repeti as palavras
que ele disse quando toquei seus pés:
‘Deixa, tá bom assim’.
Quem me consolará desta lembrança?
Meus seios se cumpriram
e as moitas onde existo
são pura sarça ardente de memória.

Em: “Bagagem” (1976)

A morte de Desdêmona
(Eugène Delacroix: pintor francês)

Referência:

PRADO, Adélia. As mortes sucessivas. In: __________. Poesia reunida. 3. ed. São Paulo, SP: Siciliano, 1991. p. 131.

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