Gonçalves, como Pessoa, nasceu em Portugal, embora, depois, tenha se naturalizado
brasileiro. E são dele estes versos que parodiam os do famoso antecessor – Autopsicografia –, a mostrar aquele lado de
fingimento na dor expressada pelos poetas, a cada vez que se põem a escrever
poesias entre as regiões confinantes à razão e à emoção.
E se em Fernando Pessoa essa manifestação psicográfica se exterioriza nos
escritos de seus heterônimos – Álvaro de Campos, Ricardo Reis, Alberto Caeiro e
Fernando Pessoa ele próprio, entre os principais –, em Gonçalves tal fingimento
aproxima o poeta da marginalidade, lá onde as identidades se tornam férteis e
jocosas, em autêntica jornada à irrealidade do cotidiano.
J.A.R. – H.C.
Francisco Igreja Gonçalves
(n. 1949)
Autopsicografia II
o poeta é um marginal
mas tão marginalizado
que não aceita que
tal
nome lhe seja
aplicado
e os que se
identificam
com tal marginalidade
se enganam: poetas
brincam
fingindo identidade
e no viver enganoso
tudo se finge igual
tudo se faz bem
jocoso
nesse existir irreal
Sem Título
(Josiane Pape:
pintora francesa)
Referência:
IGREJA, Francisco. Autopsicografia II.
In: SAVARY, Olga (Organização, seleção, notas e apresentação). Antologia da nova poesia brasileira.
Rio de Janeiro, RJ: Fundação Rio / Hipocampo, 1992. p. 111.
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