Whitman vê o corpo – o próprio e dos outros – como um processo, uma troca
contínua até mais além do óbito, pois, conforme se expressa, teria ele o dom de
conhecer a “amplitude do tempo”. Somos, de fato, o que comemos, respiramos,
tocamos, ouvimos e vemos, e, sob tal perspectiva, todas as coisas existiriam no
céu, na terra, no mar e no ar, para que possamos experimentá-las.
Há certa mescla de materialismo e espiritualismo – ou seria mística? –
nas palavras de Whitman, denotando licença de pensamento que, de certo modo,
obscurece a mensagem final, muito embora se perceba o teor referente aos
preparativos para a sua contingente ação privada, segundo o princípio da liberdade
absoluta, ao jogar sobre o leito da natureza as mais íntimas pretensões da alma
e do corpo humanos.
J.A.R. – H.C.
Walt Whitman
(1819-1892)
Song of Myself
20
Who goes there?
hankering, gross, mystical, and nude;
How is it I extract
strength from the beef I eat?
What is a man anyhow?
what am I? what are you?
All I mark as my own
you shall offset it with your own,
Else it were time
lost listening to me.
I do not snivel that
snivel the world over,
That months are vacuums
and the ground but wallow and filth.
Whimpering and
truckling fold with powders for invalids,
conformity goes to
the fourth-remov’d,
I wear my hat as I
please indoors or out.
Why should I pray?
why should I venerate and be ceremonious?
Having pried through
the strata, analyzed to a hair, counsel’d
with doctors and
calculated close,
I find no sweeter fat
than sticks to my own bones.
In all people I see
myself, none more and not one a
barley-corn less,
And the good or bad I
say of myself I say of them.
I know I am solid and
sound,
To me the converging
objects of the universe perpetually flow,
All are written to
me, and I must get what the writing means.
I know I am
deathless,
I know this orbit of
mine cannot be swept by a carpenter’s
compass,
I know I shall not
pass like a child’s carlacue cut with a burnt
stick at night.
I know I am august,
I do not trouble my
spirit to vindicate itself or be understood,
I see that the
elementary laws never apologize,
(I reckon I behave no
prouder than the level I plant my
house by, after all.)
I exist as I am, that
is enough,
If no other in the
world be aware I sit content,
And if each and all
be aware I sit content.
One world is aware
and by far the largest to me, and that
is myself,
And whether I come to
my own to-day or in ten thousand
or tem million years,
I can cheerfully take
it now, or with equal cheerfulness
I can wait.
My foothold is
tenon’d and mortis’d in granite,
I laugh at what you
call dissolution,
And I know the
amplitude of time.
Davos sob a neve
(Ernst Ludwig
Kirchner: pintor alemão)
Canção de mim mesmo
20
Quem vai ali? Cheio
de realizações, tosco místico, nu;
Como extraio energia
da carne que consumo?
O que é um homem
afinal? O que sou eu? O que és tu?
Tudo o que marco como
sendo meu tu deves compensar
com o que é teu.
De outro modo seria
perda de tempo me ouvir.
Não lanço a lamúria
da minha lamúria pelo mundo inteiro,
De que os meses são
vazios e o chão é lamaçal e sujeira.
Choradeira e
servilismo são encontrados junto com os
remédios para
inválidos, a conformidade polariza-se
no ordinário mais
remoto.
Uso meu chapéu como
bem entender dentro ou fora de casa.
Por que eu deveria
orar? Por que deveria venerar e ser
cerimonioso?
Tendo inquirido todas
as camadas, analisado as minúcias,
consultado os
doutores e calculado com perícia,
Não encontro gordura
mais doce do que aquela que
se prende aos meus
próprios ossos.
Em todas as pessoas
enxergo a mim mesmo, em nenhuma
vejo mais do que eu
sou, ou um grão de cevada a menos.
E o bem e o mal que
falo de mim mesmo eu falo delas.
Sei que sou sólido e
sadio.
Para mim os objetos
convergentes do universo
perpetuamente fluem,
Todos são escritos
para mim, e eu devo entender o que a
escrita significa.
Sei que sou imortal,
Sei que a órbita do
meu eu não pode ser varrida pelo
compasso de um
carpinteiro,
Sei que não passarei
como os círculos luminosos que as crianças
fazem à noite, com
gravetos em brasa.
Sei que sou augusto.
Não perturbo meu
próprio espírito para que se defenda ou
seja compreendido,
Vejo que as leis
elementares nunca pedem desculpas,
(Reconheço que me
comporto com um orgulho tão alto
quanto o do nível com
que assento a minha casa, afinal).
Existo como sou, isso
me basta,
Se ninguém mais no
mundo está ciente, fico satisfeito.
E se cada um e todos
estiverem cientes, satisfeito fico.
Um mundo está ciente
e esse é incomparavelmente o maior
de todos para mim, e
esse mundo sou eu mesmo,
E se venho para o que
é meu, ainda hoje ou dentro de
dez mil anos, ou dez
milhões de anos,
Posso alegremente recebê-lo
agora, ou esperá-lo com
alegria igual.
Meus pés estão
espigados e encaixados no granito,
Debocho daquilo que
chamas de dissolução,
E conheço a amplitude
do tempo.
Referências:
Em Inglês
WHITMAN, Walt. Song of myself: 20. Who
goes there?. In: __________. The
portable Walt Whitman. Edited with an introduction by Michael Warner. New
York, NY: Penguin Books, 2004. p. 22-24.
Em Português
WHITMAN, Walt. Canção de mim mesmo: 20.
Quem vai ali? Tradução de Luciano Alves Meira. In: __________. Folhas de relva. Texto integral.
Tradução e introdução de Luciano Alves Meira. 2. ed. São Paulo (SP): Martin
Claret, 2012. p. 66-68. (Série Ouro: Coleção A Obra-Prima de Cada Autor, n. 42)
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário