A poesia ampara-se da essencialidade do sangue: se a poetisa corta as veias,
é ela que vaza irreprimível, enchendo bilhas e vasilhas. Mas cortar as veias é
um ato de suicídio e, se para verter poesia, é necessário verter sangue, o ato
de criação seria também um ato de destruição – ou melhor, de autodestruição.
Sob esse contexto, a arte poética revela-se uma arte do limite, do trânsito
da vida para a morte, do instante para se manifestar o que há de mais interior
à luz do dia, de extravasar tudo aquilo que cerceado está nas veias e artérias
do poeta: trata-se, pois, de uma vocação aparentada da tragédia, no seu fluxo
imparável e irrecuperável.
J.A.R. – H.C.
Marina Tzvietáieva
(1892-1941)
Вскрыла жилы
Вскрыла жилы: неостановимо,
Невосстановимо хлещет жизнь.
Подставляйте миски и тарелки!
Всякая тарелка будет – мелкой,
Миска – плоской.
Через край – и мимо
В землю черную, питать тростник.
Невозвратно, неостановимо,
Невосстановимо хлещет стих.
6 января 1934
Coração partido em posição invertida
(Sarah Levy: pintora
norte-americana)
Abro as veias
Abro as veias:
irreprimível,
Irrecuperável, a vida
vaza.
Ponham embaixo vasos
e vasilhas!
Todas as vasilhas
serão rasas,
Parcos os vasos.
Pelas bordas – à margem –
Para os veios negros
da terra vazia,
Nutriz da vida,
irrecuperável,
Irreprimível, vaza a
poesia.
6 de janeiro de 1934
Referências:
Em Russo
Em Português
TZVIETÁIEVA, Marina. Abro as veias.
Tradução de Augusto de Campos. In: CAMPOS, Augusto (Seleção e Tradução). Poesia da recusa. São Paulo, SP:
Perspectiva, 2006. p. 165.
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