Quando percebemos conscientemente que estamos presos ao passado – e as
teias de aranha metaforizam, juntamente com o mofo, tudo aquilo que acumulamos
e de que não nos desapegamos –, somos capazes de valorizar o tempo que ainda
nos resta para viver, fazendo-nos abandonar o cenário das águas pretéritas e
navegar por mares nunca dantes singrados.
É a precariedade da vida que assombra o espírito do poeta: parece-me que
Carver, ao afirmar que, “em pouco tempo, antes que alguém se dê conta, terei
partido daqui”, estivesse vislumbrando a morte e, não exatamente, a simples
mudança de residência. Veja o leitor, ademais, que o poeta afirma ter incorrido
num estado de reflexão sobre tudo o que lhe aconteceu até o momento presente...
J.A.R. – H.C.
Raymond Carver
(1938-1988)
The Cobweb
A few minutes ago, I
stepped onto the deck
of the house. From
there I could see and hear the water,
and everything that’s
happened to me all these years.
It was hot and still.
The tide was out.
No birds sang. As I
leaned against the railing
a cobweb touched my
forehead.
It caught in my hair.
No one can blame me that I turned
and went inside.
There was no wind. The sea was
dead calm. I hung the
cobweb from the lampshade.
Where I watch it
shudder now and then when my breath
touches it. A fine
thread. Intricate.
Before long, before
anyone realizes,
I’ll be gone from
here.
Teia de Aranha
(Doris Jung-Rosu:
pintora alemã)
A Teia de Aranha
Há alguns minutos,
caminhei em direção ao terraço
da casa, de lá podia
ver e ouvir a água,
e tudo que o aconteceu
comigo durante todos esses anos.
Não cantavam os
pássaros. Quando me apoiei no corrimão,
uma teia de aranha
tocou-me a fronte.
E enredou-se no meu
cabelo. Ninguém há de me censurar
por ter dado meia
volta e entrado. Não ventava. O mar estava
calmo e sem vida. Fiz
a teia de aranha pender do abajur.
Onde a vejo fremir
vez por outra quando
minha respiração a
toca. Um débil filamento. Intricado.
Em pouco tempo, antes
que alguém se dê conta,
terei partido daqui.
Referência:
CARVER, Raymond. The cobweb. In: MILOSZ,
Czeslaw (Ed.). A book of luminous
things: an international anthology of poetry. 1st. ed. New York, NY:
Houghton Mifflin Harcourt, 1998. p. 265.
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