Stevens dedica-se, neste poema, a espicaçar o intelecto na tentativa de
colocar em palavras o que seria a forma de uma pera, ou não apenas, pois avança
na descrição sobre a cor – ou melhor, as cores – que elas assumem, a textura da
casca e por aí vai.
Parece-me um exercício capaz de avançar ao infinito se, para cada
explicação, tivermos que regredir e esclarecer o que antes se tem como manifesto
ou sabido: a fragilidade da linguagem humana não consegue tudo elucidar sobre o
que se nos apresenta como coisas tangíveis ou intangíveis.
Veja, leitor, o comentário sobre o poema, tecido por um outro famoso
poeta, ou seja, Czeslaw Milosz (1998, p. 64):
Wallace Stevens se encontrava sob o
fascínio da ciência e dos métodos científicos. Uma tendência analítica é
visível em seus poemas sobre a realidade, e isso é justamente o oposto do
conselho oferecido pelo poeta zen Bashô, que queria capturar a coisa de uma só
vez. Quando Stevens tenta descrever duas peras, como se o fizesse para um
habitante de outro planeta, enumera uma após outra suas principais qualidades,
tornando sua análise semelhante a uma pintura cubista. Mas as peras resistem a
qualquer tentativa de descrição.
J.A.R. – H.C.
Wallace Stevens
(1879-1955)
Study of Two Pears
I
Opusculum paedagogum.
The pears are not
viols,
nudes or bottles.
They resemble nothing
else.
II
They are yellow forms
Composed of curves
Bulging toward the
base.
They are touched red.
III
They are not flat
surfaces
Having curved
outlines.
They are round
tapering toward the
top.
IV
In the way they are
modelled
There are bits of
blue.
A hard dry leaf hangs
From the stem.
V
The yellow glistens.
It glistens with
various yellows,
Citrons, oranges andn
greens
Flowering over the
skin.
VI
The shadows of the
pears
Are blobs on the
green cloth.
The pears are not
seen
As the observer
wills.
Duas Peras
(Julian Merrow-Smith:
pintor inglês)
Estudo de Duas Peras
I
Opusculum paedagogum.
As peras não são
violas,
Nem nus, nem
garrafas.
Não se assemelham a
mais nada.
II
São formas amarelas
Compostas de curvas
Abauladas na base.
Têm um toque de vermelho.
III
Não são superfícies
planas
De contornos curvos.
São redondas,
Afiladas no alto.
IV
São modeladas de modo
A terem traços de
azul.
Uma folha dura e seca
Pende do pecíolo.
V
O amarelo brilha.
Um brilho de vários
amarelos,
Alaranjados e verdes
A florescer na casca.
VI
As sombras das peras
são manchas
Amorfas na toalha
verde.
As peras não são
vistas
À vontade de quem vê.
Referências:
MILOSZ, Czeslaw (Ed.). A book of luminous things: an
international anthology of poetry. 1st. ed. New York, NY: Houghton Mifflin
Harcourt, 1998.
STEVENS, Wallace. Study of two pears /
Estudo de duas peras. Tradução de Paulo Henriques Britto. In: __________. O imperador do sorvete e outros poemas.
Seleção, tradução e apresentação de Paulo Henriques Britto. 1. ed. rev. e ampl.
São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2017. Em inglês: p. 146 e 148; em
português: p. 147 e 149.
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