Neste provável poema escrito à luz de um momento da história portuguesa
que ainda se mostrava opressiva, Sophia dirige-se a uma figura que lhe foi
contemporânea – a do argentino Che Guevara –, ante cuja imagem, reproduzida ao
infinito, discorre idealizando sair de um “mundo apodrecido”.
Che é a versão latino-americana da revolução, que o capitalismo absorveu
com avidez e diligência, depois de haver neutralizado o perigo que representava,
com o seu assassinato na Bolívia. Porém há nele, segundo a poetisa, algo de
irredutível, que perdura para além dos cartazes, das camisetas ou dos perfis
cinematográficos – exatamente aquilo que Sophia percebe de não pacificado à
frente dos adolescentes.
J.A.R. – H.C.
Sophia de M. B. Andresen
(1919-2004)
Che Guevara
Contra ti se ergueu a
prudência dos inteligentes e o arrojo
dos patetas
A indecisão dos
complicados e o primarismo
Daqueles que
confundem revolução com desforra
De poster em poster a
tua imagem paira na sociedade de
consumo
Como o Cristo em
sangue paira no alheamento ordenado
das igrejas
Porém
Em frente do teu
rosto
Medita o adolescente
à noite no seu quarto
Quando procura
emergir de um mundo que apodrece
Lisboa, 1872
Em: “O Nome das Coisas” (1977)
Poster de Che Guevara
Referência:
ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner. Che
Guevara. In: __________. Coral e outros
poemas. Seleção e apresentação de Eucanaã Ferraz. 1. ed. São Paulo, SP:
Companhia das Letras, 2018. p. 261.
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