Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 10 de fevereiro de 2019

Armando Freitas Filho - Propriedade

Quem nunca viu o busto de bonecas negras colocadas à janela – as denominadas “namoradeiras” –, como que para simular que há alguém em casa? Notei a presença de muitas delas, por exemplo, em algumas cidades do interior de Minas Gerais – Ouro Preto, em especial –, ali, onde os negros foram a mão de obra preferencial que erigiu a maior parte das inúmeras igrejas existentes.

Segundo o poeta, as mulheres negras jamais tiveram “carta de alforria”, pois, no mercado de trabalho pátrio, ser negra e mulher significa, quase que necessariamente, manter-se no estrato social de maior carência, com salários aviltados. Gerando filhos, então, mais sujeitas estão ao processo de discriminação indireta que grassa em nossa hipócrita sociedade: o pior dos mundos possíveis”.

J.A.R. – H.C.

Armando Freitas Filho
(n. 1940)

Propriedade

A boneca preta na sacada
agraciada com o forro falso
simula que tem alguém em casa
onde foi sempre ninguém.

Sem pernas, ela é escrava
que não pode nem voltar
para a senzala, comprada
cortada ao meio para ser
mais manipulável e barata.

Trabalha dia e noite
presa na “eterna vigilância”
atrás das grades
nas janelas, nas cancelas
do partido dos senhores
sem pregar o olho
sem direito sequer
ao sonho da alforria.

Namoradeira à Janela

Referência:

FREITAS FILHO, Armando. Propriedade. In: ANDRADE, Mário de et al. 50 poemas de revolta. 1. ed. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2017. p. 118-119.

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