Mais um poema a veicular a ideia de que o tempo é o senhor de tudo. Que
sob o seu alcance, as coisas acabam por perder importância, a terem os seus
efeitos atenuados. Logo elas que, em dado momento, podem nos ter atormentado
sobremaneira!
Mesmo os episódios que tendem a ser marcantes, como as “ruturas” a que
se refere o poeta, as palavras mal colocadas, as emoções que chegam a ranger no
espírito, revelam-se-nos como ondas num alto e revolto mar que, ao final, bem
próximo à praia, inclinam-se a não passar de simples “marolinhas”, circunstâncias
sem relevância alguma.
J.A.R. – H.C.
Victor Oliveira Mateus
(n. 1952)
Victor Oliveira Mateus é natural de Lisboa
e formado em Filosofia pela Universidade Clássica dessa cidade. Dedicou-se ao
ensino da Filosofia e da Psicologia. Tem oito livros de poesia publicados e uma
novela, traduziu autores clássicos e organizou diversas Antologias, de poesia e
de contos, portuguesas e luso-brasileiras. Tem poemas, contos e ensaios
dispersos por Portugal, Brasil, Moçambique, Espanha, Itália, México e Macau.
Coordena a coleção de poesia Contramaré,
da Editora Labirinto, tem pertencido ao júri de diversos prêmios literários e
feito conferências em escolas, faculdades e espaços culturais diversos. Foi-lhe
concedido, em 2013, pela União Brasileira dos Escritores do Rio de Janeiro, o
Prêmio Eugénio de Andrade. É sócio da A.P.E. (Associação Portuguesa de
Escritores) e membro da Direção do PEN Clube Português (ABL, 2015,
p. 243).
A Idade Intemporal
(Helen Knoop: pintora
norueguesa)
O que dói não são as ruturas
O que dói não são as
ruturas, o afastamento,
a incapacidade a
minar como um cancro
oculto e certeiro. O
que dói não é
a pouca solidez com
que se disse
esta ou aquela
palavra, esta ou aquela frase;
com que se insistiu,
apesar de receios vários,
na grotesca encenação
do que se previa
muito aquém de
qualquer futuro. O que dói
não é a viscosidade
das emoções a grafar-se
em algum mapa
antecipadamente condenado,
nem tampouco a
insistência de uma insolúvel
lembrança a fugir. O
que dói verdadeiramente
é acordarmos um dia e
descobrirmos
que nada disso teve
importância alguma.
Referência:
MATEUS, Victor Oliveira. O que dói não
são as ruturas. In: ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS (ABL). Revista brasileira. Fase VIII; abr-mai-jun 2015; ano IV; nº 83. p.
244.
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