Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Moacyr Félix - Quia Absurdum Est

O poeta acha absurdo ainda falarmos de amor, quando deixamos de nos compadecer com o medo, a fome e o sofrimento alheios. Para ele, qualquer coisa não factível seria mais assimilável, digamos assim, pela sociedade, do que a resolução de problemas ao alcance de todos.

O poema retrata a situação de milhares de crianças que foram parar na rua, ao relento, como rebentos não planejados de uma sociedade desigual, sitiada em seu afã de acumular e usufruir bens materiais, sem quaisquer apelos a pautas de compartilhamento.

J.A.R. – H.C.

Moacyr Félix
(1925-2006)

Quia Absurdum Est

A Roland Corbisier

O gato comeu a gaiola.
Isto não pode ser verdade, eu sei,
assim como não se fotografa uma dor maluca
por ser outra coisa e não ser dor.
E isto todo o mundo entende, ou pensa que entende.
O importante é que o gato comeu a gaiola e o absurdo
que se concretiza ainda maior quando compramos
uma garrafa de uísque a poucos metros da noite
em que as crianças deixam de ser crianças e são comidas
lentamente pelo sofrimento e pelo medo e pela fome.

O gato comer a gaiola não me causa espanto.
O que me espanta é falarmos ainda de amor.

Seis gatos brincando
com uma gaiola de pássaro
(Cornelis Raaphorst: pintor holandês)

Referência:

FÉLIX, Moacyr. Quia absurdum est. In: __________. Um poeta na cidade e no tempo. Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira, 1966. p. 47. (Coleção ‘Poesia Hoje’; Direção de Moacyr Félix; Série ‘Poetas Brasileiros’; v. 6)
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