O poeta e escritor paulista Mário Brito parodia, no carme abaixo, apenas
o título do famoso poema de Gonçalves Dias. Contudo, a leitura do escrito faz-nos
perceber que se trata de um exílio específico: um exílio do mundo que com o
mundo das palavras confina.
Nesse reino das letras, ele impera como Deus a esculpir o barro, alocado
numa gleba entre o dicionário e o verbo. Como se observa, eis aí dupla referência às escrituras bíblicas: de início, ao Gênesis, com a sua metáfora da criação
do homem a partir do barro; depois, a João, pois como se afirma, no princípio
era o verbo!
J.A.R. – H.C.
Mário da Silva Brito
(n. 1916)
Canção do Exílio
Com a palavra
construo um reino
e nele impero sem
lei.
Neste mundo, que com
o mundo
confina, sou senhor e
servo.
No meu reino de luz e
sombra
a palavra, vinda do
caos,
fulge em brilho
solitário
– solitário sol sem
solo.
Busco a palavra, não
o senso
(certo perdeste o
senso!):
sarcógafo pode ser
amor
e amor quer
significar morte.
Rodeado de palavras
estou
– falsas palavras do
mundo.
Entre o dicionário e
o verbo
escolho uma gleba
secreta.
Envolto de lustral
amplidão,
cercado de nuvens e
flores,
sou exilado e sou
imperador,
sou Deus esculpindo o
barro.
De: “Biografia II”
Nuvens de Flores
(Holly Friesen:
artista canadense)
Referência:
BRITO, Mário da Silva. Canção do
exílio. In: __________. PoeMário da
Silva Brito. Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira, 1966. p. 63.
(Coleção ‘Poesia Hoje’; Direção de Moacyr Félix; Série ‘Poetas Brasileiros’; v.
7)
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