Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Mário da Silva Brito - Canção do Exílio

O poeta e escritor paulista Mário Brito parodia, no carme abaixo, apenas o título do famoso poema de Gonçalves Dias. Contudo, a leitura do escrito faz-nos perceber que se trata de um exílio específico: um exílio do mundo que com o mundo das palavras confina.

Nesse reino das letras, ele impera como Deus a esculpir o barro, alocado numa gleba entre o dicionário e o verbo. Como se observa, eis aí dupla referência às escrituras bíblicas: de início, ao Gênesis, com a sua metáfora da criação do homem a partir do barro; depois, a João, pois como se afirma, no princípio era o verbo!

J.A.R. – H.C.

Mário da Silva Brito
(n. 1916)

Canção do Exílio

Com a palavra construo um reino
e nele impero sem lei.
Neste mundo, que com o mundo
confina, sou senhor e servo.

No meu reino de luz e sombra
a palavra, vinda do caos,
fulge em brilho solitário
– solitário sol sem solo.

Busco a palavra, não o senso
(certo perdeste o senso!):
sarcógafo pode ser amor
e amor quer significar morte.

Rodeado de palavras estou
– falsas palavras do mundo.
Entre o dicionário e o verbo
escolho uma gleba secreta.

Envolto de lustral amplidão,
cercado de nuvens e flores,
sou exilado e sou imperador,
sou Deus esculpindo o barro.

De: “Biografia II”

Nuvens de Flores
(Holly Friesen: artista canadense)

Referência:

BRITO, Mário da Silva. Canção do exílio. In: __________. PoeMário da Silva Brito. Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira, 1966. p. 63. (Coleção ‘Poesia Hoje’; Direção de Moacyr Félix; Série ‘Poetas Brasileiros’; v. 7)

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