Que a beleza tem leis é algo que dá para se inferir ao entrar em
contato com ela. A proporção, a simetria por vezes, a escolha equilibrada dos
tons, das palavras, das linhas arquitetônicas, o sentido de conjunto, a atenção
ao detalhe.
No domínio tão apenas da palavra, da literatura e, muito particularmente,
do poema, tudo se passa como se o poeta obedecesse a “forças superiores”: (i) “a
beleza tem leis que as palavras apagam quando grafam seu gênesis no princípio
da página”; (ii) “a beleza tem leis que o poeta obedece feito cego refém de
suas hostes secretas”; (iii) “a beleza tem leis que o poeta ignora apesar de
contê-las na extensão de sua obra”. Eis a suma de Adriano Winter. E por fim: “a
poesia começa onde o verbo acaba”!
J.A.R. – H.C.
Adriano Winter
Adriano Wintter
nasceu e reside em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. Foi monge. Venceu o
Femup 2010 e integrou sua antologia. Tem outras coletâneas publicadas nas revistas
internacionais: Sibila (Estados
Unidos-Brasil), Separata (México), Triplov (Portugal), Cinosargo (Chile), Experimenta
(Argentina), e nas revistas brasileiras: Germina,
Aliás, Eutomia, Mallarmargens, Ellenismos, 7Faces, Babel e Correio das Artes, além de poemas nos
jornais Relevo, Poesia Viva e na sèrieAlfa
(Espanha) (ABL, jan-fev-mar 2015, p. 217).
A Beleza da Rosa
(Alexei Antonov:
artista russo)
Lege artis
I
I
a beleza tem leis
que as palavras
apagam
quando grafam seu
gênesis
no princípio da
página
e revelam que o belo
surge brusco e
sozinho
como sonho ou delírio
na pupila da linha
(não há luz que
construa
nem engenho que gere
a sua flor na
brancura
insondável do cérebro
onde pétalas lusas
ditam versos
inéditos)
ela anula a estrutura
cinde a lira do logos
parte o fêmur do
número
ri do rosto de Apolo
e na mão do arquiteto
crava o da(r)do do
acaso
quando quer, como
quer
a si tudo submete
tem um trono no caos
outro sólio na ordem
reino em branco do
arcano
onde incógnita impera
às vogais, consoantes
dando timbre e
mistério
II
a beleza tem leis
que o poeta obedece
feito cego refém
de suas hostes
secretas
as safiras da forma
ele pensa que amolda
que lapida, que pole
ou colares concebe
mas as pedras
precisas
são geradas por ela
ruge azul e se insere
no momento que
escolhe
sob o molde que elege
pressionando sua
mente
a cingir cada verso
da maneira que pede
advém do inconsciente
que antecede a
palavra
e em riquezas excede
as jazidas da fala
um silêncio que ao
léxico
alimenta e revela
hermetiza e esclarece
ou destrói, desespera
luta eterna do ser
contra o som e o
alfabeto
contra a arte que o
diz
sem contudo
expressá-lo
III
a beleza tem leis
que o poeta ignora
apesar de contê-las
na extensão de sua
obra
linha a linha reflete
harmonias herméticas
de suas luzes simétricas
que jamais entrevê
mas cintilam no
avesso
do céu negro que
versa
lê de luas ilógicas
raios presos nas
letras
tão sutis que velozes
somem quando aparecem
lê de estrelas o eco
sob as trevas
fonéticas
e por todo poema
em discurso de
eclipse
lê o zênite líquido
do vocábulo impresso
mas em língua
ilegível
– um dialeto do nada
–
que reflete o
invisível
escrevendo o que
apaga
lê a lei do silêncio
no limite da lauda:
a poesia começa
onde o verbo acaba
Referência:
WINTER, Adriano. Lege artis. In: ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS (ABL). Revista Brasileira. Fase VIII; jan-fev-mar
2015; ano IV; nº 82. p. 218-220.
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