Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Adriano Wintter - Lege artis

Que a beleza tem leis é algo que dá para se inferir ao entrar em contato com ela. A proporção, a simetria por vezes, a escolha equilibrada dos tons, das palavras, das linhas arquitetônicas, o sentido de conjunto, a atenção ao detalhe.

No domínio tão apenas da palavra, da literatura e, muito particularmente, do poema, tudo se passa como se o poeta obedecesse a “forças superiores”: (i) “a beleza tem leis que as palavras apagam quando grafam seu gênesis no princípio da página”; (ii) “a beleza tem leis que o poeta obedece feito cego refém de suas hostes secretas”; (iii) “a beleza tem leis que o poeta ignora apesar de contê-las na extensão de sua obra”. Eis a suma de Adriano Winter. E por fim: “a poesia começa onde o verbo acaba”!

J.A.R. – H.C.
Adriano Winter

Adriano Wintter nasceu e reside em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. Foi monge. Venceu o Femup 2010 e integrou sua antologia. Tem outras coletâneas publicadas nas revistas internacionais: Sibila (Estados Unidos-Brasil), Separata (México), Triplov (Portugal), Cinosargo (Chile), Experimenta (Argentina), e nas revistas brasileiras: Germina, Aliás, Eutomia, Mallarmargens, Ellenismos, 7Faces, Babel e Correio das Artes, além de poemas nos jornais Relevo, Poesia Viva e na sèrieAlfa (Espanha) (ABL, jan-fev-mar 2015, p. 217).

A Beleza da Rosa
(Alexei Antonov: artista russo)

Lege artis

I

a beleza tem leis
que as palavras apagam
quando grafam seu gênesis
no princípio da página

e revelam que o belo
surge brusco e sozinho
como sonho ou delírio
na pupila da linha

(não há luz que construa
nem engenho que gere
a sua flor na brancura
insondável do cérebro
onde pétalas lusas
ditam versos inéditos)

ela anula a estrutura
cinde a lira do logos
parte o fêmur do número
ri do rosto de Apolo
e na mão do arquiteto
crava o da(r)do do acaso

quando quer, como quer
a si tudo submete
tem um trono no caos
outro sólio na ordem

reino em branco do arcano
onde incógnita impera
às vogais, consoantes
dando timbre e mistério

II

a beleza tem leis
que o poeta obedece
feito cego refém
de suas hostes secretas

as safiras da forma
ele pensa que amolda
que lapida, que pole
ou colares concebe
mas as pedras precisas
são geradas por ela

ruge azul e se insere
no momento que escolhe
sob o molde que elege
pressionando sua mente
a cingir cada verso
da maneira que pede

advém do inconsciente
que antecede a palavra
e em riquezas excede
as jazidas da fala

um silêncio que ao léxico
alimenta e revela
hermetiza e esclarece
ou destrói, desespera

luta eterna do ser
contra o som e o alfabeto
contra a arte que o diz
sem contudo expressá-lo

III

a beleza tem leis
que o poeta ignora
apesar de contê-las
na extensão de sua obra

linha a linha reflete
harmonias herméticas
de suas luzes simétricas
que jamais entrevê
mas cintilam no avesso
do céu negro que versa

lê de luas ilógicas
raios presos nas letras
tão sutis que velozes
somem quando aparecem
lê de estrelas o eco
sob as trevas fonéticas

e por todo poema
em discurso de eclipse
lê o zênite líquido
do vocábulo impresso

mas em língua ilegível
– um dialeto do nada –
que reflete o invisível
escrevendo o que apaga

lê a lei do silêncio
no limite da lauda:
a poesia começa
onde o verbo acaba

Referência:

WINTER, Adriano. Lege artis. In: ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS (ABL). Revista Brasileira. Fase VIII; jan-fev-mar 2015; ano IV; nº 82. p. 218-220.

Nenhum comentário:

Postar um comentário