Mais um poema de Domingos Carvalho da Silva, a revelar certa influência
de Fernando Pessoa, algum niilismo de fundo, plasmado nas ideias de finitude e
de redução a nada, de tudo quanto existe.
Mesma a poesia seria elemento redutível ao ocaso no transcurso dos dias,
ao fim dos quais apenas alguns sinais na rocha restarão. Como corolário, as
palavras do próprio poema transformar-se-ão “em pó, em lodo, em traças e raízes”.
J.A.R. – H.C.
Domingos Carvalho da Silva
(1915-2003)
Poema Explicativo
Inúteis são os voos.
Inúteis são os pássaros.
Silenciosas sombras
tudo extinguem.
Como as vagas de um
mar longínquo e frio,
são de inúteis
palavras estes versos,
pois o calado tempo
esmaga tudo.
Moro num rio inútil
que caminha
entre margens de
musgo e subalternas
pontes e águas que
reflectem
estrelas, luminárias,
desencanto.
Os peixes não
obstante já não dormem.
São inúteis os sonhos
e as amarras
que nos prendem ao
cais.
E o sangue que nos
leva
em artérias
eléctricas de desejo.
Já somos todos poetas
– e a poesia é inútil –
antepassados simples
de um futuro
remoto onde seremos
sinais na rocha, apenas.
Germinará o trevo
entre os alexandrinos
e nenhum pássaro
compreenderá o sentido
das páginas dispersas
sobre a areia.
Estas palavras nuas
se transformarão
em pó, em lodo, em
traças e raízes.
Em: “Praia Oculta”
Lírios D’Água e Ponte Japonesa
(Claude Monet: pintor
francês)
Referência:
CARVALHO DA SILVA, Domingos. Poema
explicativo. In: __________. Poemas escolhidos. São Paulo, SP: Clube de Poesia,
1956. p. 67.
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