Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Domingos Carvalho da Silva - Poema Explicativo

Mais um poema de Domingos Carvalho da Silva, a revelar certa influência de Fernando Pessoa, algum niilismo de fundo, plasmado nas ideias de finitude e de redução a nada, de tudo quanto existe.

Mesma a poesia seria elemento redutível ao ocaso no transcurso dos dias, ao fim dos quais apenas alguns sinais na rocha restarão. Como corolário, as palavras do próprio poema transformar-se-ão “em pó, em lodo, em traças e raízes”.

J.A.R. – H.C.

Domingos Carvalho da Silva
(1915-2003)

Poema Explicativo

Inúteis são os voos. Inúteis são os pássaros.
Silenciosas sombras tudo extinguem.
Como as vagas de um mar longínquo e frio,
são de inúteis palavras estes versos,
pois o calado tempo esmaga tudo.

Moro num rio inútil que caminha
entre margens de musgo e subalternas
pontes e águas que reflectem
estrelas, luminárias, desencanto.

Os peixes não obstante já não dormem.
São inúteis os sonhos e as amarras
que nos prendem ao cais.
E o sangue que nos leva
em artérias eléctricas de desejo.

Já somos todos poetas – e a poesia é inútil –
antepassados simples de um futuro
remoto onde seremos sinais na rocha, apenas.

Germinará o trevo entre os alexandrinos
e nenhum pássaro compreenderá o sentido
das páginas dispersas sobre a areia.

Estas palavras nuas se transformarão
em pó, em lodo, em traças e raízes.

Em: “Praia Oculta”

Lírios D’Água e Ponte Japonesa
(Claude Monet: pintor francês)

Referência:

CARVALHO DA SILVA, Domingos. Poema explicativo. In: __________. Poemas escolhidos. São Paulo, SP: Clube de Poesia, 1956. p. 67.

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