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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Jorge de Sena - A Miséria das Palavras

Que belo poema a retratar o dilema entre o ser livre para agir como bem se quiser e a miséria e pobreza que surge como corolário de um modo de vida excludente e predador.

A fome, a violência e a ignorância, essas três vertentes da exclusão social, são palavras que devem revelar o compromisso do enunciador pelos direitos humanos e não apenas o ato de falar por falar. Sem o compromisso, a liberdade assemelha-se a “uma miséria sem nome, sem futuro, sem memória”.

J.A.R. – H.C.

Jorge de Sena
(1919-1978)

A Miséria das Palavras

Não: não me falem assim na miséria, nos pobres,
na liberdade.

Se a miséria e a pobreza
fossem o vómito que deviam ser posto em palavras,
a imaginação possuída e vomitada que deviam ser,
viria a liberdade por acréscimo,
sem palavras, sem gestos, sem delíquios.

Assim, apenas se fala do que se não fala,
apenas se vive do que não se vive,
apenas liberdade é uma miséria
sem nome, sem futuro, sem memória.

E a miséria é isso: não imaginar
o nome que transforma a ideia em coisa,
a coisa que transforma o ser em vida,
a vida que transforma a língua em algo mais
que o falar por falar.

Falem. Mas não comigo. E sobretudo
sejam miseráveis, e pobres, sejam escravos,
no silêncio que à linguagem faz
imaginar-se mais que o próprio mundo.

(1962)

(Jan Lievens: pintor holandês)

Referência:

SENA, Jorge de. A miséria das palavras. In: __________. Versos e alguma prosa de Jorge de Sena. Prefácio e selecção de textos de Eugénio Lisboa. Lisboa (PT): Arcádia e Moraes, 1979. p. 90.

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