Que belo poema a retratar o dilema entre o ser livre para agir como bem
se quiser e a miséria e pobreza que surge como corolário de um modo de vida
excludente e predador.
A fome, a violência e a ignorância, essas três vertentes da exclusão
social, são palavras que devem revelar o compromisso do enunciador pelos
direitos humanos e não apenas o ato de falar por falar. Sem o compromisso, a
liberdade assemelha-se a “uma miséria sem nome, sem futuro, sem memória”.
J.A.R. – H.C.
Jorge de Sena
(1919-1978)
A Miséria das Palavras
Não: não me falem
assim na miséria, nos pobres,
na liberdade.
Se a miséria e a
pobreza
fossem o vómito que
deviam ser posto em palavras,
a imaginação possuída
e vomitada que deviam ser,
viria a liberdade por
acréscimo,
sem palavras, sem
gestos, sem delíquios.
Assim, apenas se fala
do que se não fala,
apenas se vive do que
não se vive,
apenas liberdade é
uma miséria
sem nome, sem futuro,
sem memória.
E a miséria é isso:
não imaginar
o nome que transforma
a ideia em coisa,
a coisa que
transforma o ser em vida,
a vida que transforma
a língua em algo mais
que o falar por
falar.
Falem. Mas não
comigo. E sobretudo
sejam miseráveis, e
pobres, sejam escravos,
no silêncio que à
linguagem faz
imaginar-se mais que
o próprio mundo.
(1962)
Jó
(Jan Lievens: pintor
holandês)
Referência:
SENA, Jorge de. A miséria das palavras.
In: __________. Versos e alguma prosa de
Jorge de Sena. Prefácio e selecção de textos de Eugénio Lisboa. Lisboa
(PT): Arcádia e Moraes, 1979. p. 90.
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