Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Ferlinghetti - Nas melhores cenas de Goya parece que vemos

Nesta postagem, temos um poema em que o seu autor – o poeta, editor e pintor Lawrence Ferlinghetti – relembra a influente crítica do artista espanhol Francisco de Goya à guerra e, em conexão com a sua terra natal, os EUA, o poder de multiplicação de mitos e de destruição da sociedade norte-americana.

São dilemas de duas sociedades distintas: a primeira, a espanhola, da qual as obras de Goya ilustram a ausência de sentimentos de compaixão. Outra, a norte-americana, em que o calor humano e a proximidade pelo contato são manifestações cada vez mais raras.

J.A.R. – H.C.

Lawrence Ferlinghetti
(n. 1919)

In Goya’s greatest scenes we seem to see

In Goya’s greatest scenes we seem to see
the people of the world  
exactly at the moment when
they first attained the title of
‘suffering humanity’  
They writhe upon the page
in a veritable rage
of adversity  
Heaped up
groaning with babies and bayonets
under cement skies  
in an abstract landscape of blasted trees
bent statues bats wings and beaks
slippery gibbets
cadavers and carnivorous cocks
and all the final hollering monsters
of the
‘imagination of disaster’
they are so bloody real
it is as if they really still existed

And they do
Only the landscape is changed

They still are ranged along the roads  
plagued by legionnaires
false windmills and demented roosters

They are the same people
only further from home
on freeways fifty lanes wide
on a concrete continent
spaced with bland billboards  
illustrating imbecile illusions of happiness
The scene shows fewer tumbrils
but more strung-out citizens
in painted cars
and they have strange license plates  
and engines
that devour America

Saturno devorando um filho
(Francisco de Goya: pintor espanhol)

Nas melhores cenas de Goya parece que vemos

Nas melhores cenas de Goya parece que vemos
as pessoas do mundo
no exato momento em que
pela primeira vez elas ganharam o título
de ‘humanidade sofredora’
Tais pessoas se contorcem na página
num verdadeiro acesso
de adversidade
Amontoadas
gemendo com bebês e baionetas
sob um céu de cimento
pela paisagem abstrata de árvores bombardeadas
estátuas decaídas asas bicos de morcegos
patíbulos escorregadios
cadáveres galos carnívoros
monstros finais berrantes todos
da
‘imaginação do desastre’
tão danados de reais
que até parece que ainda existem

E existem mesmo
Só mudou a paisagem

Todos continuam em fila nas estradas que estão
infestadas de legionários
falsos moinhos de vento e grandes galos dementes

E são aquelas mesmas pessoas
apenas mais distantes de casa
e em estradonas de cinquenta pistas
num continente de concreto
demarcado por pencas de cartazes
que ilustram ilusões imbecis de felicidade
A cena mostra menos carretas para a forca
mas muito mais cidadãos mutilados
em carros pintados
que têm placas estranhonas
e motores
que devoram a América

Referências:

FERLINGHETTI, Lawrence. In Goya’s greatest scenes we seem to see. In: HOOVER, Paul (Ed.). A postmodern american poetry: a norton anthology. New York, NY: W. W. Norton & Company Inc., 1994. p. 43-44.

FERLINGHETTI, Lawrence. In Goya’s greatest scenes we seem to see / Nas melhores cenas de Goya parece que vemos. Tradução de Leonardo Fróes. In: __________. um parque de diversões da cabeça. Tradução de Eduardo Bueno e Leonardo Fróes. 2. ed. bilíngue. Porto Alegre, RS: L&PM, 2007. Em inglês: p. 14 e 16; em português: 15 e 17. (Coleção ‘L&PM Pocket’; v. 661)

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