Sob a “indiferença do
universo”, tudo quanto existe neste mundo tangível, na visão do poeta, só
adquire “alma” quando intrinsecamente se conecta à nossa própria alma, ou com
outras palavras, a vida só ganha consistência quando interpretada à luz de
nossa subjetividade, a qual, por sua vez, evolui em conformidade aos impulsos
transformadores do espírito humano.
Nossa natureza
volátil e multíplice surge quase que como um corolário do fato de que, como seres
sensíveis, somos adaptáveis às circunstâncias, o que nos impede de delimitar, precisa
e peremptoriamente, os contornos do núcleo “sólido” do ser humano, sua essência
mesma, haja vista que fluidos os matizes lindeiros à compreensão que temos sobre
qual deva ser, precisamente, o nosso lugar no mundo.
Com efeito, estamos
imersos em ciclos de percepções e de experiências, ainda que as coisas pareçam invariavelmente
repetir-se: somos essa eterna busca de sentido em tudo o que fazemos e
pensamos, reflexo de um pessoano “desassossego” que nos incita a cavarmos mais
fundo o solo da realidade, até que alcancemos a pedra fundamental sobre a qual
se assentam as paredes de nossa cripta interior.
J.A.R. – H.C.
Raul de Leoni
(1895-1926)
A alma das cousas
somos nós...
Dentro do eterno giro
universal
Das cousas, tudo vai
e volta à alma da gente,
Mas, se nesse vaivém
tudo parece igual,
Nada mais, na verdade,
Nunca mais se repete
exatamente...
Sim, as cousas são
sempre as mesmas na corrente
Que no-las leva e
traz, num círculo fatal;
O que varia é o
espírito que as sente
Que é imperceptivelmente
desigual,
Que sempre as vive
diferentemente,
E, assim, a vida é
sempre inédita, afinal...
Estado de alma em
fuga pelas horas,
Tons esquivos e
trêmulos, nuanças
Suscetíveis, sutis,
que fogem no Íris
Da sensibilidade
furta-cor...
E a nossa alma é a
expressão fugitiva das cousas
E a vida somos nós,
que sempre somos outros!...
Homem inquieto e vão
que não repousas!
Para e escuta:
Se as cousas têm
espírito, nós somos
Esse espírito efêmero
das cousas,
Volúvel e diverso,
Variando, instante a
instante, intimamente,
E eternamente,
Dentro da indiferença
do Universo!...
O fluxo do rio
(Puja Sunder: artista
indiano)
Referência:
LEONI, Raul de. A alma das cousas somos nós... In: __________. Luz mediterrânea e outros poemas. Introdução, organização e fixação de texto por Sérgio Alcides. São Paulo, SP: Martins Fontes, 2001. p. 59-60. (Coleção ‘Poetas do Brasil’)
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