Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 23 de novembro de 2024

Raul de Leoni - A alma das cousas somos nós...

Sob a “indiferença do universo”, tudo quanto existe neste mundo tangível, na visão do poeta, só adquire “alma” quando intrinsecamente se conecta à nossa própria alma, ou com outras palavras, a vida só ganha consistência quando interpretada à luz de nossa subjetividade, a qual, por sua vez, evolui em conformidade aos impulsos transformadores do espírito humano.

 

Nossa natureza volátil e multíplice surge quase que como um corolário do fato de que, como seres sensíveis, somos adaptáveis às circunstâncias, o que nos impede de delimitar, precisa e peremptoriamente, os contornos do núcleo “sólido” do ser humano, sua essência mesma, haja vista que fluidos os matizes lindeiros à compreensão que temos sobre qual deva ser, precisamente, o nosso lugar no mundo.

 

Com efeito, estamos imersos em ciclos de percepções e de experiências, ainda que as coisas pareçam invariavelmente repetir-se: somos essa eterna busca de sentido em tudo o que fazemos e pensamos, reflexo de um pessoano “desassossego” que nos incita a cavarmos mais fundo o solo da realidade, até que alcancemos a pedra fundamental sobre a qual se assentam as paredes de nossa cripta interior.

 

J.A.R. – H.C.

 

Raul de Leoni

(1895-1926)

 

A alma das cousas somos nós...

 

Dentro do eterno giro universal

Das cousas, tudo vai e volta à alma da gente,

Mas, se nesse vaivém tudo parece igual,

Nada mais, na verdade,

Nunca mais se repete exatamente...

 

Sim, as cousas são sempre as mesmas na corrente

Que no-las leva e traz, num círculo fatal;

O que varia é o espírito que as sente

Que é imperceptivelmente desigual,

Que sempre as vive diferentemente,

E, assim, a vida é sempre inédita, afinal...

 

Estado de alma em fuga pelas horas,

Tons esquivos e trêmulos, nuanças

Suscetíveis, sutis, que fogem no Íris

Da sensibilidade furta-cor...

E a nossa alma é a expressão fugitiva das cousas

E a vida somos nós, que sempre somos outros!...

 

Homem inquieto e vão que não repousas!

Para e escuta:

Se as cousas têm espírito, nós somos

Esse espírito efêmero das cousas,

Volúvel e diverso,

Variando, instante a instante, intimamente,

E eternamente,

Dentro da indiferença do Universo!...

 

O fluxo do rio

(Puja Sunder: artista indiano)

 

Referência:

 

LEONI, Raul de. A alma das cousas somos nós... In: __________. Luz mediterrânea e outros poemas. Introdução, organização e fixação de texto por Sérgio Alcides. São Paulo, SP: Martins Fontes, 2001. p. 59-60. (Coleção ‘Poetas do Brasil’)

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