Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 28 de novembro de 2024

Lélia Coelho Frota - Aquerôntico

O adjetivo conferido por Lélia a este poema – “Aquerôntico” – diz muito sobre o que se passa em seus versos, com o rio da mitologia grega a simbolizar a fronteira entre o mundo dos vivos e o reino dos mortos, flúmen delicado por onde, durante as noites, os mortos regressam numa frágil “barca de papel” para ver o que se passa conosco.

 

Presença constante em nossas vidas, inclusive quando não estamos conscientes dela, a morte sempre está à espreita: os que já se encontram na outra margem aceitam-na com naturalidade e ficam a nos observar com curiosidade e indulgência, embora a certa distância, ilustrados que estão por uma compreensão mais profunda da humana existência, da qual parecem nos querer dar conta durante os enlevos do sono.

 

J.A.R. – H.C.

 

Lélia Coelho Frota

(1938-2010)

 

Aquerôntico

 

É de noite que os mortos voltam

em sua barca de papel

a roçar a porta do sono

em que inermes escurecemos

mais um dia – pulmão de chama

contraindo a luz da manhã!

 

E de noite, pela amurada

que vêm se debruçar conosco

e indulgem – apenas sorriem

sem qualquer resguardo, sem ênfase –

em ir e vir, em ter partido.

Impressões de viagem? Alheias

como a do perfil de uma dracma.

 

Remiram-nos maliciosos

pensos de ternura se quedam

em sua fosca primavera,

atrás de embaciados acenos,

pacientes, à nossa espera.

 

A Barca do Aqueronte

(Félix Resurrección Hidalgo: pintor filipino)

 

Referência:

 

FROTA, Lélia Coelho. Aquerôntico. In: __________. Poesia reunida: 1956-2006. Rio de Janeiro, RJ: Bem-Te-Vi, 2013. p. 256.

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