Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 14 de novembro de 2024

Jorge Luis Borges - Remorso por qualquer morte

Com aquele seu estilo tão característico, a meio termo entre o abstrato e o filosófico, Borges nos desafia a reavaliarmos a ideia de que a morte seja o fim absoluto para os humanos, pois que, a seu ver, pode haver uma espécie de continuidade espiritual entre os vivos e os mortos, por ser indubitável que os entes queridos, embora ausentes, costumam nos acompanhar e afetar nossas existências e percepções de mundo.

 

Vagando num páramo transcendental, “como o Deus dos místicos” – de quem as palavras são inaptas para descrever os atributos ou os singulares predicados –, o fato é que nós, os vivos, somos incapazes de compreender completamente a morte – esse estado invulnerável à passagem do tempo –, mesmo que, “como ladrões”, despojemos os mortos de tudo quanto hajam legado à “sucessão das noites e dos dias”.

 

J.A.R. – H.C.

 

Jorge Luis Borges

(1899-1986)

 

Remordimiento por cualquier muerte

 

Libre de la memoria y de la esperanza,

ilimitado, abstracto, casi futuro,

el muerto no es un muerto: es la muerte.

Como el Dios de los místicos,

de Quien deben negarse todos los predicados,

el muerto ubicuamente ajeno

no es sino la perdición y ausencia del mundo.

Todo se lo robamos,

no le dejamos ni un color ni una sílaba:

aquí está el patio que ya no comparten sus ojos,

allí la acera donde acechó su esperanza.

Aun lo que pensamos

podría estar pensándolo él;

nos hemos repartido como ladrones

el caudal de las noches y de los días.

 

En: “Fervor de Buenos Aires” (1923)

 

Dia e Noite

(Sarah Wall: artista norte-americana)

 

Remorso por qualquer morte

 

Livre da memória e da esperança,

ilimitado, abstrato, quase futuro,

o morto não é um morto: é a morte.

Como o Deus dos místicos,

de Quem devem negar-se todos os predicados,

o morto, ubiquamente alheio,

não é senão a perdição e a ausência do mundo.

Roubamos-lhe tudo,

não lhe deixamos nem uma cor nem uma sílaba:

aqui está o pátio que seus olhos já não perscrutam,

ali o passeio onde sua esperança punha-se à espreita.

Até mesmo o que pensamos,

ele poderia estar pensando;

como ladrões, repartimos entre nós

a sucessão das noites e dos dias.

 

Em: “Fervor de Buenos Aires” (1923)

 

Referência:

 

BORGES, Jorge Luis. Remordimiento por cualquier muerte. In: __________. Obra poética: 1923-1977. 2. ed. Madrid, ES: Alianza Tres (por autorización de Emecé Editores), 1981. p. 46.

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