Neste poema de
Osvaldo Alcântara – pseudônimo de Baltasar Lopes da Silva, escritor e poeta
cabo-verdiano –, desenvolve-se a ideia de que o falante se encontra numa
espécie de “prisão”, o que, obviamente, pressupõe uma condição de cativo ou de enclausurado.
Nada obstante, tal restringimento não o impede de deslumbrar-se diante do que há
de magnificente em seu cerceado ou confinado entorno.
Ali, tudo brilha e
resplandece como estrelas, sugerindo o aporte da beleza mesmo em áridas terras,
leia-se, ainda que penosas as condições a suportar: acurando a percepção e abrindo-se
às maravilhas do mundo, a voz lírica compromete-se a desonerar-se mentalmente
de quaisquer limitações, para assim participar da agonia e do êxtase quer dos fenômenos
da natureza, quer dos circunstantes eventos históricos, ao amparo de uma luz equiparável
a uma força superior ou divina que a tudo abarca.
J.A.R. – H.C.
Osvaldo Alcântara
(1907-1989)
Deslumbramento
Tudo é estrela na
minha prisão.
O que eu não daria
para saber
quem esteve semeando
tantas fosforescências
neste terreno árido!
Quem me dera ser
estereoscópio,
para disciplinar as
minhas sensações
e assim escolher a
minha oferenda
a esse deus
desconhecido!
Milagre que desce não
sei de onde...
Observo com olhos
atónitos esta paisagem,
e tudo me arrepia e
me estimula e me tempera.
Himalaias, crateras
de bombas,
rictos de homens
crispados de medo,
vou libertar-me
convosco, agonizar convosco,
levantar as mãos ansiosamente
convosco!
E, no fim, colher o
fruto desta vitória lenta
que vem marchando com
passos silenciosos
para mim há tantos
séculos,
como prémio dos meus
olhos bem abertos
para esta paisagem
árida que me deslumbra...
Zonnebeke (Flandres)
(William N. M. Orpen:
artista irlandês)
Referência:
ALCÂNTARA, Osvaldo.
Deslumbramento. In: GARCÍA, Xosé Lois. Floriram cravos vermelhos:
antologia poética de expressão portuguesa em África e Ásia. La Coruña, ES:
Espiral Maior, 1993. p. 52. (‘Poesia’)
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