Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 10 de novembro de 2024

Osvaldo Alcântara - Deslumbramento

Neste poema de Osvaldo Alcântara – pseudônimo de Baltasar Lopes da Silva, escritor e poeta cabo-verdiano –, desenvolve-se a ideia de que o falante se encontra numa espécie de “prisão”, o que, obviamente, pressupõe uma condição de cativo ou de enclausurado. Nada obstante, tal restringimento não o impede de deslumbrar-se diante do que há de magnificente em seu cerceado ou confinado entorno.

 

Ali, tudo brilha e resplandece como estrelas, sugerindo o aporte da beleza mesmo em áridas terras, leia-se, ainda que penosas as condições a suportar: acurando a percepção e abrindo-se às maravilhas do mundo, a voz lírica compromete-se a desonerar-se mentalmente de quaisquer limitações, para assim participar da agonia e do êxtase quer dos fenômenos da natureza, quer dos circunstantes eventos históricos, ao amparo de uma luz equiparável a uma força superior ou divina que a tudo abarca.

 

J.A.R. – H.C.

 

Osvaldo Alcântara

(1907-1989)

 

Deslumbramento

 

Tudo é estrela na minha prisão.

O que eu não daria para saber

quem esteve semeando tantas fosforescências

neste terreno árido!

Quem me dera ser estereoscópio,

para disciplinar as minhas sensações

e assim escolher a minha oferenda

a esse deus desconhecido!

Milagre que desce não sei de onde...

Observo com olhos atónitos esta paisagem,

e tudo me arrepia e me estimula e me tempera.

 

Himalaias, crateras de bombas,

rictos de homens crispados de medo,

vou libertar-me convosco, agonizar convosco,

levantar as mãos ansiosamente convosco!

E, no fim, colher o fruto desta vitória lenta

que vem marchando com passos silenciosos

para mim há tantos séculos,

como prémio dos meus olhos bem abertos

para esta paisagem árida que me deslumbra...

 

Zonnebeke (Flandres)

(William N. M. Orpen: artista irlandês)

 

Referência:

 

ALCÂNTARA, Osvaldo. Deslumbramento. In: GARCÍA, Xosé Lois. Floriram cravos vermelhos: antologia poética de expressão portuguesa em África e Ásia. La Coruña, ES: Espiral Maior, 1993. p. 52. (‘Poesia’)

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