Preliminarmente, uma
informação necessária: o título do poema de hoje faz referência a Charles Lyell
(1797-1975), geólogo escocês cujo trabalho influenciou a teoria uniformista, a
sustentar que os mesmos processos geológicos que ocorreram no passado continuam
a operar no presente.
A existência humana,
enredada na “tessitura de simpatia e agonia”, compara-se à camisa de Nessus, um
mito grego que se traduz em símbolo para a destruição causada pelas tramas das
relações pessoais, dando ensejo às comuns transições humanas, enquanto, ao
fundo, o panorama é o da constância dos processos naturais, bem demarcados
temporalmente, a nos revelar, de modo reiterado, a beleza da natureza em seu incessante
renascer.
Sentimos no corpo a presença
desses processos da natura, os irrefreáveis desígnios de sua lógica genésica a
nos fundir pela experiência do amor – ainda que o amor tenha, com frequência
não de todo desprezível, algum sabor de fruto amargo –, equiparando-nos à persistência
das “sequoias” em meio às transformações e às incertezas do futuro, lídimos vetores
desse heraclitiano estado permanente de mudança.
J.A.R. – H.C.
Kenneth Rexroth
(1905-1982)
Lyell’s Hypothesis
Again (*)
An Attempt to Explain
the Former
Changes of the Earth’s
Surface by
Causes Now in Operation
– Subtitle of Lyell: “Principles
of Geology”
I
The mountain road
ends here,
Broken away in the
chasm where
The bridge washed out
years ago.
The first scarlet
larkspur glitters
In the first patch of
April
Morning sunlight. The
engorged creek
Roars and rustles
like a military
Ball. Here by the
waterfall,
Insuperable life,
flushed
With the equinox,
sentient
And sentimental,
falls away
To the sea and death.
The tissue
Of sympathy and agony
That binds the flesh
in its Nessus’ shirt;
The clotted cobweb of
unself
And self; sheds
itself and flecks
The sun’s bed with
darts of blossom
Like flagellant blood
above
The water bursting in
the vibrant
Air. This ego, bound
by personal
Tragedy and the vast
Impersonal
vindictiveness
Of the ruined and ruining
world,
Pauses in this
immortality,
As passionate, as
apathetic,
As the lava flow that
burned here once;
And stopped here; and
said, ‘This far
And no further.’ And
spoke thereafter
In the simple diction
of stone.
II
Naked in the warm
April air,
We lie under the
redwoods,
In the sunny lee of a
cliff.
As you kneel above me
I see
Tiny red marks on
your flanks
Like bites, where the
redwood cones
Have pressed into
your flesh.
You can find just the
same marks
In the lignite in the
cliff
Over our heads.
Sequoia
Langsdorfii before
the ice,
And sempervirens
afterwards,
There is little
difference,
Except for all those
years.
Here in the sweet,
moribund
Fetor of spring
flowers, washed,
Flotsam and jetsam
together,
Cool and naked
together,
Under this tree for a
moment,
We have escaped the
bitterness
Of love, and love
lost, and love
Betrayed. And what
might have been,
And what might be,
fall equally
Away with what is,
and leave
Only these ideograms
Printed on the
immortal
Hydrocarbons of flesh
and stone.
Erupção na Montanha
Vulcânica
de La Soufrière na
Ilha de Saint-Vincent
(J. M. W. Turner:
pintor inglês)
Novamente a Hipótese
de Lyell
Uma Tentativa de
Explicar as Primeiras
Mudanças da
Superfície Terrestre por
Forças Agora em
Operação
– Subtítulo de Lyell:
“Princípios de Geologia”
A estrada que leva à
montanha termina aqui,
Interrompida pelo
abismo no qual
Rolou a ponte anos
atrás.
A primeira espora
escarlate reluz
À primeira mancha de
sol
Matutino de abril. O
riacho obstruído
Brada e se agita como
um baile
Militar. Aqui, ao pé
da cachoeira,
A vida insuperável,
banhada pelo
Equinócio, sensitiva
E sentimental,
deságua
No mar e na morte. O
tecido
De harmonia e agonia
Que veste a carne com
sua camisa de Nessus;
A teia coagulada do não-ser
E do ser se dispersa
e salpica
O leito do sol com
arremessos de flores
Como o sangue
flagelante sobre
A água pulsando no ar
Vibrante. Este eu
(acorrentado à tragédia
Pessoal e à imensa
Vingança impessoal
Do mundo arruinado e
arruinador)
Estanca nesta
imortalidade,
Apaixonado e apático,
Como o fluxo de lava
que ardeu aqui um dia;
E aqui parou; e
disse: “Até aqui,
Nem mais um passo.” E
falou, a partir de então,
A linguagem simples
da rocha.
II
Desnudos no ar morno
de abril,
Deitamos sob as
sequoias,
No abrigo ensolarado
de um penhasco.
Ao te ajoelhares à
minha frente, noto
Minúsculas marcas
vermelhas em teus flancos
Como mordidas, onde
as cascas da sequoia
Cravaram tua carne.
As mesmas marcas
aparecem
Na linhita do
penhasco
Acima de nós. Na era
pré-glacial, “Sequoia
Langsdorfii”,
Posteriormente,
“sempervirens”,
Há pouca diferença,
A não ser pelos anos
passados.
Aqui, no doce e
agonizante
Fedor de flores
primaveris, banhados,
Náufragos unidos,
No frescor e na nudez
unidos,
Sob esta árvore por
um instante,
Escapamos da amargura
Do amor, do amor
perdido, do amor
Traído. E o que
poderia ter sido,
E o que poderia ser,
desmancham-se igualmente
No que é, e deixam
Apenas estes
ideogramas
Impressos nos
hidrocarbonetos
Imortais de carne e
rocha.
Nota da Tradutora Annie
Buede:
(*). Sir
Charles Lyell (Escócia: 1797; Londres: 1875), consagrado geólogo da Inglaterra
vitoriana, responsável pela teoria de que os caracteres superficiais da Terra e
as formações rochosas são resultantes da ação de processos físicos, químicos e
biológicos atuais ao longo da era geológica. Seus principais trabalhos são: “Principles
of Geology” (“Princípios de Geologia” – 1830-33) e “Elements of Geology” (“Elementos
de Geologia” – 1838).
Referências:
Em Inglês
REXROTH, Kenneth. Lyell’s
hypothesis again. In: __________. The collected shorter poems of Kenneth
Rexroth. 10th print. New York, NY: New Directions, 1966. p. 180-181.
Em Português
REXROTH, Kenneth.
Novamente a hipótese de Lyell. Tradução de Annie Buede, inserta no ensaio “Kenneth
Rexroth”, de Donald Hall. In: KOSTELANETZ, Richard. (Org.). Viagem à
literatura americana contemporânea. Vários tradutores. Rio de Janeiro, RJ:
Nórdica, 1985. p. 124-127.
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário