Alpes Literários

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Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 26 de novembro de 2024

Kenneth Rexroth - Novamente a Hipótese de Lyell

Preliminarmente, uma informação necessária: o título do poema de hoje faz referência a Charles Lyell (1797-1975), geólogo escocês cujo trabalho influenciou a teoria uniformista, a sustentar que os mesmos processos geológicos que ocorreram no passado continuam a operar no presente.

 

A existência humana, enredada na “tessitura de simpatia e agonia”, compara-se à camisa de Nessus, um mito grego que se traduz em símbolo para a destruição causada pelas tramas das relações pessoais, dando ensejo às comuns transições humanas, enquanto, ao fundo, o panorama é o da constância dos processos naturais, bem demarcados temporalmente, a nos revelar, de modo reiterado, a beleza da natureza em seu incessante renascer.

 

Sentimos no corpo a presença desses processos da natura, os irrefreáveis desígnios de sua lógica genésica a nos fundir pela experiência do amor – ainda que o amor tenha, com frequência não de todo desprezível, algum sabor de fruto amargo –, equiparando-nos à persistência das “sequoias” em meio às transformações e às incertezas do futuro, lídimos vetores desse heraclitiano estado permanente de mudança.

 

J.A.R. – H.C.

 

Kenneth Rexroth

(1905-1982)

 

Lyell’s Hypothesis Again (*)

 

An Attempt to Explain the Former

Changes of the Earth’s Surface by

Causes Now in Operation

– Subtitle of Lyell: “Principles of Geology”

 

I

 

The mountain road ends here,

Broken away in the chasm where

The bridge washed out years ago.

The first scarlet larkspur glitters

In the first patch of April

Morning sunlight. The engorged creek

Roars and rustles like a military

Ball. Here by the waterfall,

Insuperable life, flushed

With the equinox, sentient

And sentimental, falls away

To the sea and death. The tissue

Of sympathy and agony

That binds the flesh in its Nessus’ shirt;

The clotted cobweb of unself

And self; sheds itself and flecks

The sun’s bed with darts of blossom

Like flagellant blood above

The water bursting in the vibrant

Air. This ego, bound by personal

Tragedy and the vast

Impersonal vindictiveness

Of the ruined and ruining world,

Pauses in this immortality,

As passionate, as apathetic,

As the lava flow that burned here once;

And stopped here; and said, ‘This far

And no further.’ And spoke thereafter

In the simple diction of stone.

 

II

 

Naked in the warm April air,

We lie under the redwoods,

In the sunny lee of a cliff.

As you kneel above me I see

Tiny red marks on your flanks

Like bites, where the redwood cones

Have pressed into your flesh.

You can find just the same marks

In the lignite in the cliff

Over our heads. Sequoia

Langsdorfii before the ice,

And sempervirens afterwards,

There is little difference,

Except for all those years.

 

Here in the sweet, moribund

Fetor of spring flowers, washed,

Flotsam and jetsam together,

Cool and naked together,

Under this tree for a moment,

We have escaped the bitterness

Of love, and love lost, and love

Betrayed. And what might have been,

And what might be, fall equally

Away with what is, and leave

Only these ideograms

Printed on the immortal

Hydrocarbons of flesh and stone.

 

Erupção na Montanha Vulcânica

de La Soufrière na Ilha de Saint-Vincent

(J. M. W. Turner: pintor inglês)

 

Novamente a Hipótese de Lyell

 

Uma Tentativa de Explicar as Primeiras

Mudanças da Superfície Terrestre por

Forças Agora em Operação

– Subtítulo de Lyell: “Princípios de Geologia”

 

A estrada que leva à montanha termina aqui,

Interrompida pelo abismo no qual

Rolou a ponte anos atrás.

A primeira espora escarlate reluz

À primeira mancha de sol

Matutino de abril. O riacho obstruído

Brada e se agita como um baile

Militar. Aqui, ao pé da cachoeira,

A vida insuperável, banhada pelo

Equinócio, sensitiva

E sentimental, deságua

No mar e na morte. O tecido

De harmonia e agonia

Que veste a carne com sua camisa de Nessus;

A teia coagulada do não-ser

E do ser se dispersa e salpica

O leito do sol com arremessos de flores

Como o sangue flagelante sobre

A água pulsando no ar

Vibrante. Este eu (acorrentado à tragédia

Pessoal e à imensa

Vingança impessoal

Do mundo arruinado e arruinador)

Estanca nesta imortalidade,

Apaixonado e apático,

Como o fluxo de lava que ardeu aqui um dia;

E aqui parou; e disse: “Até aqui,

Nem mais um passo.” E falou, a partir de então,

A linguagem simples da rocha.

 

II

 

Desnudos no ar morno de abril,

Deitamos sob as sequoias,

No abrigo ensolarado de um penhasco.

Ao te ajoelhares à minha frente, noto

Minúsculas marcas vermelhas em teus flancos

Como mordidas, onde as cascas da sequoia

Cravaram tua carne.

As mesmas marcas aparecem

Na linhita do penhasco

Acima de nós. Na era pré-glacial, “Sequoia

Langsdorfii”,

Posteriormente, “sempervirens”,

Há pouca diferença,

A não ser pelos anos passados.

 

Aqui, no doce e agonizante

Fedor de flores primaveris, banhados,

Náufragos unidos,

No frescor e na nudez unidos,

Sob esta árvore por um instante,

Escapamos da amargura

Do amor, do amor perdido, do amor

Traído. E o que poderia ter sido,

E o que poderia ser, desmancham-se igualmente

No que é, e deixam

Apenas estes ideogramas

Impressos nos hidrocarbonetos

Imortais de carne e rocha.

 

Nota da Tradutora Annie Buede:

 

(*). Sir Charles Lyell (Escócia: 1797; Londres: 1875), consagrado geólogo da Inglaterra vitoriana, responsável pela teoria de que os caracteres superficiais da Terra e as formações rochosas são resultantes da ação de processos físicos, químicos e biológicos atuais ao longo da era geológica. Seus principais trabalhos são: “Principles of Geology” (“Princípios de Geologia” – 1830-33) e “Elements of Geology” (“Elementos de Geologia” – 1838).

 

Referências:

 

Em Inglês

 

REXROTH, Kenneth. Lyell’s hypothesis again. In: __________. The collected shorter poems of Kenneth Rexroth. 10th print. New York, NY: New Directions, 1966. p. 180-181.

 

Em Português

 

REXROTH, Kenneth. Novamente a hipótese de Lyell. Tradução de Annie Buede, inserta no ensaio “Kenneth Rexroth”, de Donald Hall. In: KOSTELANETZ, Richard. (Org.). Viagem à literatura americana contemporânea. Vários tradutores. Rio de Janeiro, RJ: Nórdica, 1985. p. 124-127.

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