Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 18 de novembro de 2024

Joan Maragall - A vaca cega

A explorar temas como o isolamento, a adaptação às adversidades e a perseverança, este poema de Maragall, ao evocar a imagem melancólica e comovente de uma vaca cega que se aventura sozinha em busca de água, remata por o fazer em conexão com a maldade humana, pois que, em grande parte, a ablepsia do animal se deu em razão de uma pedra que lhe foi atirada por um jovem.

 

O poema culmina com uma imagem merencória da vaca elevando sua enorme cabeça rumo aos céus, num gesto trágico – como que a apiedar-se de sua sina –, e logo o seu vago e perdido olhar pousa sobre a linha do horizonte, regressando à solidão sob o sol abrasador a agitar languidamente a longa cauda, enquanto vacila por “caminhos inesquecíveis”.

 

J.A.R. – H.C.

 

Joan Maragall

(1860-1911)

 

La vaca cega

 

Topant de cap en una i altra soca,

avançant d’esma pel camí de l’aigua,

se’n ve la vaca tota sola. És cega.

D’un cop de roc llançat amb massa traça,

el vailet va buidar-li un ull, i en l’altre

se li ha posat un tel: la vaca és cega.

Ve a abeurar-se a la font com ans solia,

mes no amb el ferm posat d’altres vegades

ni amb ses companyes, no: ve tota sola.

Ses companyes, pels cingles, per les comes,

pel silenci dels prats i en la ribera,

fan dringar l’esquellot, mentre pasturen

l’herba fresca a l’atzar... Ella cauria.

Topa de morro en l’esmolada pica

i recula afrontada; però torna

i abaixa el cap a l’aigua i beu calmosa.

Beu poc, sens gaire set. Després aixeca

al cel, enorme, l’embanyada testa

amb un gran gesto tràgic; parpelleja

damunt les mortes nines, i se’n torna

orfe de llum, sota del sol que crema,

vacil·lant pels camins inoblidables,

brandant llànguidament la llarga cua.

 

Vaca montanhesa

(James Hollis: pintor inglês)

 

A vaca cega

 

Dando de cara num e noutro toco,

seguindo rotineira em busca d’água,

lá vem tão solitária a vaca. É cega.

Com boa pontaria e uma pedrada,

o moleque vazou-lhe um olho, e ao outro

cobriu uma ferida: a vaca é cega.

Da fonte vem beber, como antes vinha,

mas não com a firmeza de outros tempos

nem com as companheiras: vem sozinha.

Suas colegas, por declives, morros,

no silêncio do prado e na ribeira,

tilintam a sineta, enquanto pastam

a relva fresca ao léu... Ela cairia.

Bate o nariz no afiado bebedouro

e recua, afrontada; mas retorna,

baixa a cabeça n’água e bebe, calma.

Bebe pouco, sem sede. Depois ergue

ao céu, enorme, sua córnea testa

num grande gesto trágico; então pisca

sobre as meninas mortas, e se volta,

órfã de luz embaixo do sol que arde,

palmilhando um caminho inesquecível,

brandindo lânguida uma cauda longa.

 

Referência:

 

MARAGALL, Joan. La vaca cega / A vaca cega. Tradução de Fábio Aristimunho Vargas. In: VARGAS, Fábio Aristimunho (Organização e tradução). Poesia catalã: das origens à guerra civil. São Paulo, SP: Hedra, 2009. Em catalão: p. 85; em português: p. 84.

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