Progressivamente
vamos perdendo a juventude e o tempo que ainda nos resta por viver, num cômputo
ininterrupto dos grãos de areia que passam de um cone a outro da ampulheta que
nos espreita: perder os dias quase equivale a perder fios de cabelo – quase nada
numa perspectiva gradualista –, contudo, à medida que envelhecemos, tal perda
ganha contornos de gravidade e de peso em nossas existências.
Mas a vida se recria
e se renova, como os novos fios de cabelo, muito embora, no limitado quartel
humano, jamais deixe de ser um recurso finito – “Até os cabelos da vossa cabeça
estão todos contados”, diria o evangelista Lucas (12:7) –, motivo por que
devemos estar conscientes de como o fruímos, empregando-o sempre segundo as mais
imperativas prioridades.
J.A.R. – H.C.
Marina Colasanti
(n. 1937)
O que se vai
Perco os cabelos
como perco os dias
um a um.
Um fio
de toda a cabeleira
nada vale.
Da vida
pouco vale
um dia somente.
Porém
o cabelo no pente
o dia no travesseiro
se alinham
idos
perdidos
mortos
e o que se vai
mais pesa.
Não terei calva a
cabeça
isso é seguro
a cada fio que parte
um se enraíza
– o crânio é campo
fértil
mais que a vida.
Os dias
no entanto
têm sua cota de estoque
limitada
e eu os vejo passar
em fila indiana
sem que reposição me
seja dada
e sem saber o ponto
em que a fatura
terá que ser quitada.
Passageiros do Tempo
(Andrea Capol: artista
suíça)
Referência:
COLASANTI, Marina. O que se vai. In: __________. Mais longa vida: poesia. 1. ed. Rio de Janeiro, RJ: Record, 2020. p. 39-40.
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