Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 12 de novembro de 2024

Marina Colasanti - O que se vai

Progressivamente vamos perdendo a juventude e o tempo que ainda nos resta por viver, num cômputo ininterrupto dos grãos de areia que passam de um cone a outro da ampulheta que nos espreita: perder os dias quase equivale a perder fios de cabelo – quase nada numa perspectiva gradualista –, contudo, à medida que envelhecemos, tal perda ganha contornos de gravidade e de peso em nossas existências.

 

Mas a vida se recria e se renova, como os novos fios de cabelo, muito embora, no limitado quartel humano, jamais deixe de ser um recurso finito – “Até os cabelos da vossa cabeça estão todos contados”, diria o evangelista Lucas (12:7) –, motivo por que devemos estar conscientes de como o fruímos, empregando-o sempre segundo as mais imperativas prioridades.

 

J.A.R. – H.C.

 

Marina Colasanti

(n. 1937)

 

O que se vai

 

Perco os cabelos

como perco os dias

um a um.

Um fio

de toda a cabeleira

nada vale.

Da vida

pouco vale

um dia somente.

Porém

o cabelo no pente

o dia no travesseiro

se alinham

idos

perdidos

mortos

e o que se vai

mais pesa.

Não terei calva a cabeça

isso é seguro

a cada fio que parte

um se enraíza

– o crânio é campo fértil

mais que a vida.

Os dias

no entanto

têm sua cota de estoque

limitada

e eu os vejo passar em fila indiana

sem que reposição me seja dada

e sem saber o ponto

em que a fatura

terá que ser quitada.

 

Passageiros do Tempo

(Andrea Capol: artista suíça)

 

Referência:

 

COLASANTI, Marina. O que se vai. In: __________. Mais longa vida: poesia. 1. ed. Rio de Janeiro, RJ: Record, 2020. p. 39-40.

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