Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 7 de novembro de 2024

Jorge de Sena - Ser um grande poeta

Sena vai às raias da sátira e do escárnio no que tange à natureza da fama literária e ao reconhecimento na seara do labor poético, deixando ver que a percepção que se tem da obra de um poeta varia de acordo com o seu sucesso junto ao público e à crítica, sua nacionalidade e seu tempo de vida.

 

Muitas vezes, decerto, a verdadeira apreciação da poesia acaba por se restringir aos próprios poetas, sem necessariamente se estabelecer um reconhecimento mais amplo da obra de um determinado vate, enquanto que, para o comum dos mortais, tudo se passa indiferentemente, à margem de quaisquer exames acerca do peso da aludida grandeza (ou mesmo da mediocridade).

 

Outro ponto de destaque no poema de Sena é a acurada observação de que ser um poeta vivo e ter fama universal podem são ser indicativos da efetiva qualidade do conteúdo de sua obra, pois que os muitos catedráticos de literatura, à volta, podem estar simplesmente manejando os fios do esquema capaz de também levá-los à sobre-exposição junto ao público.


E para o poeta que já morreu, ser reconhecido como “grande” no âmbito nacional denota, aos olhos do autor, que muitos dos apreciadores de sua obra talvez sequer chegaram a compreender o seu real valor ou até mesmo o seu nível de profundidade, sendo por ela atraídos apenas em razão de um processo de idealização póstuma, muito comum entre poetas famosos.

 

J.A.R. – H.C.

 

Jorge de Sena

(1919-1978)

 

Ser um grande poeta

 

Ser um grande poeta

morto e nacional

é atrair as moscas

como idiotas e

os idiotas como

moscas.

 

Ser um poeta medíocre

vivo e universal

é atrair os catedráticos

de literatura como

idiotas e moscas.

 

Ser um poeta apenas

nem vivo nem morto

ou nacional ou universal

é atrair apenas os poetas

como moscas idiotas.

 

Moralidade: não há saída.

 

Em: “Tempos de Exorcismos” (1969-1972)

 

Pub dos Poetas

(Alexander Moffat: artista escocês)

 

Referência:

 

SENA, Jorge de. Ser um grande poeta. In: REIS-SÁ, Jorge; LAGE, Rui (Selecção, organização, introdução e notas). Poemas portugueses: antologia da poesia portuguesa do séc. XIII ao séc. XXI. Prefácio de Vasco Graça Moura. 1. ed. Porto, PT: Porto Editora, 2009. p. 1350.

2 comentários:

  1. Gostei de ler este poema de Jorge de Sena, um poeta que infelizmente anda bastante esqucido em terras portuguesas, apesar de a sua obra completa ter voltado a ter novas edições. Parabéns por este excelente log que só hoje descobri.
    Muito boa tarde!
    Um abraço!

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    1. Prezado Rui: muito grato pelo comentário. Visitei o seu blog e o seguirei amiúde, pois aprecio demais o bom cinema. Gostei bastante das postagens nele contidas. Um abraço. João A. Rodrigues

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