Sena vai às raias da sátira
e do escárnio no que tange à natureza da fama literária e ao reconhecimento na
seara do labor poético, deixando ver que a percepção que se tem da obra de um
poeta varia de acordo com o seu sucesso junto ao público e à crítica, sua nacionalidade
e seu tempo de vida.
Muitas vezes, decerto,
a verdadeira apreciação da poesia acaba por se restringir aos próprios poetas,
sem necessariamente se estabelecer um reconhecimento mais amplo da obra de um determinado
vate, enquanto que, para o comum dos mortais, tudo se passa indiferentemente, à
margem de quaisquer exames acerca do peso da aludida grandeza (ou mesmo da
mediocridade).
Outro ponto de destaque no poema de Sena é a acurada observação de que ser um poeta vivo e ter fama universal podem são ser indicativos da efetiva qualidade do conteúdo de sua obra, pois que os muitos catedráticos de literatura, à volta, podem estar simplesmente manejando os fios do esquema capaz de também levá-los à sobre-exposição junto ao público.
E para o poeta que já morreu, ser reconhecido como “grande” no âmbito nacional denota, aos olhos do autor, que muitos dos apreciadores de sua obra talvez sequer chegaram a compreender o seu real valor ou até mesmo o seu nível de profundidade, sendo por ela atraídos apenas em razão de um processo de idealização póstuma, muito comum entre poetas famosos.
J.A.R. – H.C.
Jorge de Sena
(1919-1978)
Ser um grande poeta
morto e nacional
é atrair as moscas
como idiotas e
os idiotas como
moscas.
Ser um poeta medíocre
vivo e universal
é atrair os catedráticos
de literatura como
idiotas e moscas.
Ser um poeta apenas
nem vivo nem morto
ou nacional ou universal
é atrair apenas os poetas
como moscas idiotas.
Moralidade: não há saída.
Em: “Tempos de Exorcismos”
(1969-1972)
Pub dos Poetas
(Alexander Moffat:
artista escocês)
Referência:
SENA, Jorge de. Ser
um grande poeta. In: REIS-SÁ, Jorge; LAGE, Rui (Selecção, organização,
introdução e notas). Poemas portugueses: antologia da poesia portuguesa
do séc. XIII ao séc. XXI. Prefácio de Vasco Graça Moura. 1. ed. Porto, PT:
Porto Editora, 2009. p. 1350.
❁
Gostei de ler este poema de Jorge de Sena, um poeta que infelizmente anda bastante esqucido em terras portuguesas, apesar de a sua obra completa ter voltado a ter novas edições. Parabéns por este excelente log que só hoje descobri.
ResponderExcluirMuito boa tarde!
Um abraço!
Prezado Rui: muito grato pelo comentário. Visitei o seu blog e o seguirei amiúde, pois aprecio demais o bom cinema. Gostei bastante das postagens nele contidas. Um abraço. João A. Rodrigues
Excluir