Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 19 de novembro de 2024

Luis García Montero - A imortalidade

O poeta recusa-se a partilhar dogmas religiosos ou ir ao encontro de certas formas de notoriedade heroica; antes, centra-se em viver de modo autêntico e sem se preocupar com o julgamento dos outros, tampouco no que diz respeito a prestar contas de suas ações, para assim alcançar equilíbrio e prazer em sua vida quotidiana.

 

Em momentos de introspecção e de contemplação, o falante deixa-se avançar sem pressa no tempo, acolhendo os átimos fugazes de luz sobre o fundo brumoso das trevas: a seu ver, a verdadeira imortalidade não reside nas promessas do pós-vida, senão na riqueza das experiências vividas aqui e agora, ou por outra, na capacidade de se sentir emoções genuínas, sem obsediar-se na busca da fama ou dos galardões literários a qualquer custo.

 

J.A.R. – H.C.

 

Luis García Montero

(n. 1958)

 

La inmortalidad

 

Nunca he tenido dioses

y tampoco sentí la despiadada

voluntad de los héroes.

Durante mucho tiempo estuvo libre

la silla de mi juez

y no esperé juicio

en el que rendir cuentas de mis días.

 

Decidido a vivir, busqué la sombra

capaz de recogerme en los veranos

y la hoguera dispuesta

a llevarse el invierno por delante.

Pasé noches de guardia y de silencio,

no tuve prisa,

dejé cruzar la rueda de los años.

Estaba convencido

de que existir no tiene transcendencia,

porque la luz es siempre fugitiva

sobre la oscuridad,

un resplandor en medio del vacío.

 

Y de pronto en el bosque se encendieron los árboles

de las miradas insistentes,

el mar tuvo labios de arena

igual que las palabras dichas en un rincón,

el viento abrió sus manos

y los hoteles sus habitaciones.

Parecía la tierra más desnuda,

porque la noche fue,

como el vacío,

un resplandor oscuro en medio de la luz.

 

Entonces comprendí que la inmortalidad

puede cobrarse por adelantado.

Una inmortalidad que no reside

en plazas con estatua,

en nubes religiosas

o en la plastificada vanidad literaria,

llena de halagos homicidas

y murmullos de cóctel.

Es otra mi razón. Que no me lea

quien no haya visto nunca conmoverse a la tierra

en medio de un abrazo.

 

La copa de cristal

que pusiste al revés sobre la mesa,

guarda un tiempo de oro detenido.

Me basta con la vida para justificarme.

Y cuando me convoquen a declarar mis actos,

aunque sólo me escuche una silla vacía,

será firme mi voz.

No por lo que la muerte me prometa,

sino por todo aquello que no podrá quitarme.

 

Imortalidade

(Russ Fye: artista norte-americano)

 

A imortalidade

 

Nunca tive deuses

e jamais senti a implacável

vontade dos heróis.

Durante muito tempo esteve vago

o assento do meu sentenciador,

motivo por que não estive à espera de um julgamento

para prestar contas dos meus dias.

 

Decidido a viver, busquei a sombra

capaz de me abrigar nos verões

e a fogueira impetuosa

para poder levar à frente o inverno.

Passei noites em guarda e em silêncio,

não tive pressa,

deixei passar a roda dos anos.

Estava convencido

de que existir não tem transcendência,

porque a luz é sempre fugitiva

sobre a escuridão,

um resplendor no meio do vazio.

 

E de repente, no bosque, iluminaram-se as árvores

dos olhares insistentes,

o mar expôs os seus lábios de areia

tal como as palavras ditas num canto,

o vento abriu as suas mãos

e os hotéis os seus aposentos.

A terra parecia mais nua,

porque a noite se passou,

como o vazio,

num resplendor escuro no meio da luz.

 

Então compreendi que a imortalidade

pode ser cobrada por antecipação.

Uma imortalidade que não reside

em praças com estátuas,

em nuvens religiosas

ou na plastificada vaidade literária,

cheia de lisonjas homicidas

e murmúrios de coquetéis.

É outra a minha razão. Que não me leia

quem nunca tenha visto a terra se mover

no meio de um abraço.

 

A taça de cristal

que puseste emborcada sobre a mesa

mantém represado um tempo áureo.

Basta-me a vida para me justificar.

E quando for intimado a reconhecer os meus atos,

ainda que me escute apenas um assento vazio,

firme será a minha voz.

Não pelo que a morte me prometa,

mas por tudo o que ela não me pode tirar.

 

Referência:

 

MONTERO, Luis García. La inmortalidad. In: __________. Casi cien poemas: antología (1980-1995). Prólogo de José Carlos Mainer. Madrid, ES: Hiperión, 1997. p. 204-206.

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