O poeta recusa-se a partilhar
dogmas religiosos ou ir ao encontro de certas formas de notoriedade heroica;
antes, centra-se em viver de modo autêntico e sem se preocupar com o julgamento
dos outros, tampouco no que diz respeito a prestar contas de suas ações, para
assim alcançar equilíbrio e prazer em sua vida quotidiana.
Em momentos de
introspecção e de contemplação, o falante deixa-se avançar sem pressa no tempo,
acolhendo os átimos fugazes de luz sobre o fundo brumoso das trevas: a seu ver,
a verdadeira imortalidade não reside nas promessas do pós-vida, senão na
riqueza das experiências vividas aqui e agora, ou por outra, na capacidade de
se sentir emoções genuínas, sem obsediar-se na busca da fama ou dos galardões
literários a qualquer custo.
J.A.R. – H.C.
Luis García Montero
(n. 1958)
La inmortalidad
Nunca he tenido
dioses
y tampoco sentí la
despiadada
voluntad de los
héroes.
Durante mucho tiempo
estuvo libre
la silla de mi juez
y no esperé juicio
en el que rendir
cuentas de mis días.
Decidido a vivir,
busqué la sombra
capaz de recogerme en
los veranos
y la hoguera
dispuesta
a llevarse el
invierno por delante.
Pasé noches de
guardia y de silencio,
no tuve prisa,
dejé cruzar la rueda
de los años.
Estaba convencido
de que existir no
tiene transcendencia,
porque la luz es
siempre fugitiva
sobre la oscuridad,
un resplandor en
medio del vacío.
Y de pronto en el
bosque se encendieron los árboles
de las miradas
insistentes,
el mar tuvo labios de
arena
igual que las
palabras dichas en un rincón,
el viento abrió sus
manos
y los hoteles sus
habitaciones.
Parecía la tierra más
desnuda,
porque la noche fue,
como el vacío,
un resplandor oscuro
en medio de la luz.
Entonces comprendí
que la inmortalidad
puede cobrarse por
adelantado.
Una inmortalidad que
no reside
en plazas con
estatua,
en nubes religiosas
o en la plastificada
vanidad literaria,
llena de halagos
homicidas
y murmullos de
cóctel.
Es otra mi razón. Que
no me lea
quien no haya visto
nunca conmoverse a la tierra
en medio de un
abrazo.
La copa de cristal
que pusiste al revés
sobre la mesa,
guarda un tiempo de
oro detenido.
Me basta con la vida
para justificarme.
Y cuando me convoquen
a declarar mis actos,
aunque sólo me
escuche una silla vacía,
será firme mi voz.
No por lo que la
muerte me prometa,
sino por todo aquello
que no podrá quitarme.
Imortalidade
(Russ Fye: artista
norte-americano)
A imortalidade
Nunca tive deuses
e jamais senti a
implacável
vontade dos heróis.
Durante muito tempo
esteve vago
o assento do meu sentenciador,
motivo por que não
estive à espera de um julgamento
para prestar contas
dos meus dias.
Decidido a viver,
busquei a sombra
capaz de me abrigar
nos verões
e a fogueira impetuosa
para poder levar à
frente o inverno.
Passei noites em
guarda e em silêncio,
não tive pressa,
deixei passar a roda
dos anos.
Estava convencido
de que existir não
tem transcendência,
porque a luz é sempre
fugitiva
sobre a escuridão,
um resplendor no meio
do vazio.
E de repente, no
bosque, iluminaram-se as árvores
dos olhares
insistentes,
o mar expôs os seus
lábios de areia
tal como as palavras
ditas num canto,
o vento abriu as suas
mãos
e os hotéis os seus
aposentos.
A terra parecia mais
nua,
porque a noite se
passou,
como o vazio,
num resplendor escuro
no meio da luz.
Então compreendi que
a imortalidade
pode ser cobrada por antecipação.
Uma imortalidade que
não reside
em praças com
estátuas,
em nuvens religiosas
ou na plastificada
vaidade literária,
cheia de lisonjas
homicidas
e murmúrios de
coquetéis.
É outra a minha
razão. Que não me leia
quem nunca tenha
visto a terra se mover
no meio de um abraço.
A taça de cristal
que puseste emborcada
sobre a mesa
mantém represado um
tempo áureo.
Basta-me a vida para
me justificar.
E quando for intimado
a reconhecer os meus atos,
ainda que me escute apenas
um assento vazio,
firme será a minha
voz.
Não pelo que a morte
me prometa,
mas por tudo o que
ela não me pode tirar.
Referência:
MONTERO, Luis García.
La inmortalidad. In: __________. Casi cien poemas: antología
(1980-1995). Prólogo de José Carlos Mainer. Madrid, ES: Hiperión, 1997. p.
204-206.
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