Jogando com as
palavras entre o sutil e o abstrato, a poetisa pernambucana leva o seu poema a permear-se
pela natureza evasiva e cambiante da linguagem, evocando a sua riqueza e
diversidade, a abarcar tanto o suave e melódico quanto o áspero e frio, não se
deixando, por conseguinte, limitar por convenções glossológicas, advindas dos
estatutos da república literária.
A palavra, tensionada
por todos os lados, esgueira-se entre a tangibilidade do signo e a fluidez
dispersante dos seus significados, metamorfoseando-se a cada contexto, infensa
a todas as formas de emolduramento, como um bicho que se afasta tão logo o
humano predador lhe tenta impor um “cerco”, preferindo manter-se como hipótese em
meio à folhagem exuberante do vergel interpretativo.
J.A.R. – H.C.
Micheliny Verunschk
(n. 1972)
Cerco
Urna palavra
espreita
e se esgueira
entre todas as frases
não lidas.
Lambe,
com um longo l,
suas próprias letras,
desde as vogais
atentas
as consoantes
hirsutas de frio.
Salta as armadilhas
do poema.
Escapa
a todo laço,
dedos,
canetas,
memória,
dicionário.
Estala,
folha seca.
Mineraliza-se,
sólido concreto.
Respira ofegante
como quem se afoga
ou antecipa o bote.
Transforma-se
em inúmeros bichos
e foge.
Uivos de um lobo:
memórias de um poeta
(Dia al-Azzawi:
artista iraquiano)
Referência:
VERUNSCHK, Micheliny. Cerco. Cuadernos Hispanoamericanos. Literatura brasileña hoy / Literatura brasileira hoje. Edición bilingüe: portugués x español. Madrid (ES), v. 735, p. 135-136, sep. 2011. Disponível neste endereço. Acesso em: 20 nov. 2024.
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