Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

W. H. Auden - Na Época Oportuna

Auden tenta perscrutar o infinito e incognoscível Ser – fundamento para todas as coisas –, a partir do ser finito que somos e de tudo quanto nos rodeia – pedras, sapatos velhos etc. –, os quais veiculam alguns “sinais sacramentais”, mistérios que nos são acenados sobre a “Primeira Pessoa”, “única e invisível fonte das coisas específicas”, poder-se-ia dizer, materializadas neste mundo visível.

 

A própria poesia tem lá o seu lado mágico, os seus mistérios, tomando parte também na ambivalência do sagrado, quando recolhe em suas linhas o que nos sucede em eventos e pensamentos, transmutados, contudo, em moldes sugestivos e inspiradores.

 

As estações e os seus significados para os seres humanos, em contraste com o que elas representam para as aves, animais e plantas, configuram o fundo temático no qual se desenvolvem as estâncias do poema, ele mesmo, também, um elogio ao poder que o inverno tem para nos tornar mais reflexivos ao longo da quadra, voltados de certa forma a promover uma síntese com sentido orientador para o porvir.

 

J.A.R. – H.C.

 

W. H. Auden

(1907-1973)

 

In Due Season

 

Springtime, Summer and Fall: days to behold a world

Antecedent to our knowing, where flowers think

Theirs concretely in scent-colors and beasts, the same

Age all over, pursue dumb horizontal lives

On one level of conduct and so cannot be

Secretary to man’s plot to become divine.

 

Lodged in all is a set metronome: thus, in May

Bird-babes, still in the egg, click to each other Hatch!;

June-struck cuckoos go off pitch; when obese July

Turns earth’s heating up, unknotting their poisoned ropes,

Vipers move into play; warmed by October’s nip,

Younger leaves to the old give the releasing draught.

 

Winter, though, has the right tense for a look indoors

At ourselves, and with First Names to sit face to face,

Time for reading of thoughts, time for trying out

Of new meters and new recipes, proper time

To reflect on events noted in warmer months

Till, transmuted, they take part in a human tale.

 

There, responding to our cry for intelligence,

Nature’s mask is relaxed into a mobile grin,

Stones, old shoes, come alive, born sacramental signs,

Nod to us in the First Person of mysteries

They know nothing about, bearing a message from

The invisible sole Source of specific things.

 

Primavera, Verão, Outono e Inverno

(Shelley Bain: artista norte-americana)

 

Na Época Oportuna

 

Primavera, verão e outono: dias para contemplar um mundo

Precedente ao nosso conhecimento, onde as flores ruminam

Os seus concretamente, em termos de cores e olores, e os animais, todos

Da mesma época, agarram-se às suas silentes vidas horizontais

De acordo com um código de conduta e, portanto, não se habilitam

A secretariar o homem em sua trama para se tornar divino.

 

Alojado em tudo há um metrônomo estabelecido: então, em maio,

Bebês-pássaros, ainda no ovo, estalidam uns nos outros para Rebentar!;

Os cucos, extasiados por junho, perdem o tom; quando o obeso julho

Volta a aquecer a terra, desatando suas cordas envenenadas,

As víboras entram no jogo; excitadas pela friagem de outubro,

As folhas mais tenras cedem às mais velhas a corrente de ar que as libera.

 

O inverno, no entanto, tem o tempo certo para um olhar dentro

De nós mesmos, e com Nomes Próprios para nos sentarmos frente a frente:

Tempo para a leitura de pensamentos, tempo para experimentar

Novas métricas e novas receitas, tempo adequado

Para refletir sobre eventos observados nos meses mais cálidos,

Até que, transmutados, eles façam parte de um relato humano.

 

Mais adiante, respondendo ao nosso clamor por inteligência,

A máscara da natureza se relaxa, convertendo-se num expressivo sorriso;

Pedras, velhos sapatos, ganham vida, nascem sinais sacramentais,

Com a cabeça, acenam-nos na Primeira Pessoa dos mistérios

Dos quais nada sabem, trazendo uma mensagem da

Única e invisível Fonte das coisas específicas.

 

Tradução: João A. Rodrigues

 

Referência:

 

AUDEN, W. H. In due season. In: __________. Collected poems. Edited by Edward Mendelson. 1. ed. New York, NY: Vintage Books (A Division of Random House), feb. 1991. p. 801. (‘Vintage International’)

Um comentário:

  1. P.s.: Esta minha versão ao português do poema de W. H. Auden foi, indevidamente, imputada ao literato paulista José Paulo Paes pela mantenedora do blog abaixo, motivo pelo qual venho aqui ratificá-la, elidindo assim aquilo que considero uma prática reprovável, que não se limita a copiar – diga-se, por oportuno, texto e estampa –, indo mais além, incorrendo em falsas atribuições.
    https://speglich.blogspot.com/2023/04/shelley-bain-primavera-verao-e-outono.html
    João A. Rodrigues

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