Tudo são belas
metáforas nesta rogativa de Picchia, orientada a suplicar ao Senhor um sóbrio
final de vida para quem soube muito bem desfrutá-la, não estando agora sequioso
em razão de irrealizadas vontades: por que não superar o “eu”, cheio de
autoafirmação e de apego, mediante um despertar desse sonho enganoso que é a
vida, rendendo-se à serena união com o mistério, com o imperscrutável?!
Veja-se como a ideia
de morte, nos versos do poeta, inclina-se a uma condição de desmaterialização –
“murcho cair de pétalas de uma roseira” –, com simultânea liberação de forças
para a presumível ascensão do espírito, condição de uma vida superior em outro
nível: há quem revele um desejo latente por esse trânsito, v.g., como a
espanhola Teresa de Ávila (1515-1582), quando reitera anaforicamente a
expressão “morro porque não morro”, em seu místico poema “Vivo
sem viver em mim”.
J.A.R. – H.C.
Menotti del Picchia
(1892-1988)
Humilde Súplica
Eu pediria, Senhor,
um crepúsculo tranquilo.
Que delícia não ter
mais nada que arrancar à alma
perder o tato para a
carícia
e na boca neutra
sentir inapetência
por todos os vinhos.
Eu já disse adeus a muitas
coisas
mas de outras inda
custa despedir-me.
Senhor, dai-me a
ventura de ver descer a noite
sem me importar com
as estrelas.
O tempo me dissolveu
nas horas
e a treva e o
silêncio já estão cheios de mim.
Nada me falta. Tenho
tudo que já tive.
Deixai-me agora
quieto
ouvindo com volúpia
um murcho cair de
pétalas
de uma roseira que
não dará mais rosas.
Paisagem ao Entardecer
(Vincent van Gogh:
pintor holandês)
Referência:
PICCHIA, Menotti del.
Humilde súplica. In: BRAGA, Rubem. A poesia é necessária. Organização de
André Seffrin. 1. ed. São Paulo, SP: Global, 2015. p. 65.
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