Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

Menotti del Picchia - Humilde Súplica

Tudo são belas metáforas nesta rogativa de Picchia, orientada a suplicar ao Senhor um sóbrio final de vida para quem soube muito bem desfrutá-la, não estando agora sequioso em razão de irrealizadas vontades: por que não superar o “eu”, cheio de autoafirmação e de apego, mediante um despertar desse sonho enganoso que é a vida, rendendo-se à serena união com o mistério, com o imperscrutável?!

 

Veja-se como a ideia de morte, nos versos do poeta, inclina-se a uma condição de desmaterialização – “murcho cair de pétalas de uma roseira” –, com simultânea liberação de forças para a presumível ascensão do espírito, condição de uma vida superior em outro nível: há quem revele um desejo latente por esse trânsito, v.g., como a espanhola Teresa de Ávila (1515-1582), quando reitera anaforicamente a expressão “morro porque não morro”, em seu místico poema “Vivo sem viver em mim”.

 

J.A.R. – H.C.

 

Menotti del Picchia

(1892-1988)

 

Humilde Súplica

 

Eu pediria, Senhor, um crepúsculo tranquilo.

 

Que delícia não ter mais nada que arrancar à alma

perder o tato para a carícia

e na boca neutra sentir inapetência

por todos os vinhos.

 

Eu já disse adeus a muitas coisas

mas de outras inda custa despedir-me.

 

Senhor, dai-me a ventura de ver descer a noite

sem me importar com as estrelas.

 

O tempo me dissolveu nas horas

e a treva e o silêncio já estão cheios de mim.

 

Nada me falta. Tenho tudo que já tive.

 

Deixai-me agora quieto

ouvindo com volúpia

um murcho cair de pétalas

de uma roseira que não dará mais rosas.

 

Paisagem ao Entardecer

(Vincent van Gogh: pintor holandês)

 

Referência:

 

PICCHIA, Menotti del. Humilde súplica. In: BRAGA, Rubem. A poesia é necessária. Organização de André Seffrin. 1. ed. São Paulo, SP: Global, 2015. p. 65.

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