Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023

Louis MacNeice - Autobiografia

Aparentemente, a julgar pelo tom do reiterado refrão deste poema, o falante, na voz de uma criança, deplora o fato de haver perdido a mãe ainda em idade muito tenra, circunstância que lhe deixou marcas indeléveis na memória: a repetição da palavra “ninguém”, nas estâncias finais do poema, reforça a ideia de solidão e desalento a lhe assolar diuturnamente.

 

O poeta justapõe palavras com sentidos antagônicos – a exemplo de “silêncio” x “choro” e “sol” x “frio” – como forma de enfatizar a turbulência que vai na mente dessa criança: mesmo a “fuga”, deduzível dos derradeiros versos, não deixa de ocorrer em completa solidão – e para onde? Aqui caberia um arremate de Drummond: “Quer ir para Minas, Minas não há mais. José, e agora?”.

 

J.A.R. – H.C.

 

Louis MacNeice

(1907-1963)

 

Autobiography

 

In my childhood trees were green

And there was plenty to be seen.

 

Come back early or never come.

 

My father made the walls resound,

He wore his collar the wrong way round.

 

Come back early or never come.

 

My mother wore a yellow dress;

Gently, gently, gentleness.

 

Come back early or never come.

 

When I was five the black dreams came;

Nothing after was quite the same.

 

Come back early or never come.

 

The dark was talking to the dead;

The lamp was dark beside my bed.

 

Come back early or never come.

 

When I woke they did not care;

Nobody, nobody was there.

 

Come back early or never come.

 

When my silent terror cried,

Nobody, nobody replied.

 

Come back early or never come.

 

I got up; the chilly sun

Saw me walk away alone.

 

Come back early or never come.

 

Torre

(Alex Andreyev: artista russo)

 

Autobiografia

 

Em minha infância, as árvores eram verdes

E muito havia para ser visto.

 

Volta cedo ou nunca venhas.

 

Meu pai fazia ressoar as paredes,

Costumava usar o colarinho ao contrário.

 

Volta cedo ou nunca venhas.

 

Minha mãe usava um vestido amarelo;

Suavemente, delicadamente, a própria brandura.

 

Volta cedo ou nunca venhas.

 

Aos cinco anos, chegaram-me os negros sonhos;

Depois, nada se manteve exatamente o mesmo.

 

Volta cedo ou nunca venhas.

 

A escuridão falava com os mortos;

Ao lado da minha cama, a lâmpada estava escura.

 

Volta cedo ou nunca venhas.

 

Quando acordei, não houve quem se importasse;

Ninguém, ninguém lá estava.

 

Volta cedo ou nunca venhas.

 

Quando meu silencioso terror tornou-se clamor,

Ninguém, ninguém respondeu.

 

Volta cedo ou nunca venhas.

 

Levantei-me; o sol um tanto frio

viu-me ir embora sozinho.

 

Volta cedo ou nunca venhas.

 

Referência:

 

MACNEICE, Louis. Autobiography. In: HEANEY, Seamus; HUGHES, Ted (Eds.). The rattle bag. 1st publ. London, EN: Faber and Faber, 1982. p. 53-54.

Nenhum comentário:

Postar um comentário