Identificando a voz de
um lavrador à “voz” da terra por ele roçada, a falante se lhe associa a própria
voz de poetisa, pois que também filiada a uma variedade de lavratura, qual
seja, a da palavra: tem-se, então, uma bela declaração de amor pelos elementos
da natureza – fauna e flora –, e tudo o quanto possa fazer feliz, de forma
idílica, o homem e a mulher que se dedicam aos afazeres de cultivar uma gleba.
A terra é essa “mãe
universal” que, ainda hoje, detém considerável reserva de valor, pois que dela
saem os frutos que, em grande parte, nutrem a humanidade e suas reses, assim
como os seus acessórios e ferramentas: sorte do homem, que tanto a lhe devastar,
conta com a generosa força de renovação desse “fecundo ventre”.
J.A.R. – H.C.
Cora Coralina
(1889-1985)
O Cântico da Terra
Hino do Lavrador
Eu sou a terra, eu
sou a vida.
Do meu barro primeiro
veio o homem.
De mim veio a mulher
e veio o amor.
Veio a árvore, veio a
fonte.
Vem o fruto e vem a
flor.
Eu sou a fonte
original de toda vida.
Sou o chão que se
prende à tua casa.
Sou a telha da
coberta de teu lar.
A mina constante de
teu poço.
Sou a espiga generosa
de teu gado
e certeza tranquila
ao teu esforço.
Sou a razão de tua
vida.
De mim vieste pela
mão do Criador,
e a mim tu voltarás
no fim da lida.
Só em mim acharás
descanso e Paz.
Eu sou a grande Mãe
Universal.
Tua filha, tua noiva
e desposada.
A mulher e o ventre
que fecundas.
Sou a gleba, a
gestação, eu sou o amor.
A ti, ó lavrador,
tudo quanto é meu.
Teu arado, tua foice,
teu machado.
O berço pequenino de
teu filho.
O algodão de tua
veste
e o pão de tua casa.
E um dia bem distante
a mim tu voltarás.
E no canteiro materno
de meu seio
tranquilo dormirás.
Estribilho
Plantemos a roça.
Lavremos a gleba.
Cuidemos do ninho,
do gado e da tulha.
Fartura teremos
e donos de sítio
felizes seremos.
Paisagem aldeã com agricultores
(Pieter Bruegel, o
jovem: pintor flamengo)
Referência:
CORALINA, Cora. O
cântico da terra. In: BRAGA, Rubem. A poesia é necessária. Organização
de André Seffrin. 1. ed. São Paulo, SP: Global, 2015. p. 60-61.
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