Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 7 de fevereiro de 2023

Cora Coralina - O Cântico da Terra

Identificando a voz de um lavrador à “voz” da terra por ele roçada, a falante se lhe associa a própria voz de poetisa, pois que também filiada a uma variedade de lavratura, qual seja, a da palavra: tem-se, então, uma bela declaração de amor pelos elementos da natureza – fauna e flora –, e tudo o quanto possa fazer feliz, de forma idílica, o homem e a mulher que se dedicam aos afazeres de cultivar uma gleba.

 

A terra é essa “mãe universal” que, ainda hoje, detém considerável reserva de valor, pois que dela saem os frutos que, em grande parte, nutrem a humanidade e suas reses, assim como os seus acessórios e ferramentas: sorte do homem, que tanto a lhe devastar, conta com a generosa força de renovação desse “fecundo ventre”.

 

J.A.R. – H.C.

 

Cora Coralina

(1889-1985)

 

O Cântico da Terra

 

Hino do Lavrador

 

Eu sou a terra, eu sou a vida.

Do meu barro primeiro veio o homem.

De mim veio a mulher e veio o amor.

Veio a árvore, veio a fonte.

Vem o fruto e vem a flor.

 

Eu sou a fonte original de toda vida.

Sou o chão que se prende à tua casa.

Sou a telha da coberta de teu lar.

A mina constante de teu poço.

Sou a espiga generosa de teu gado

e certeza tranquila ao teu esforço.

Sou a razão de tua vida.

De mim vieste pela mão do Criador,

e a mim tu voltarás no fim da lida.

Só em mim acharás descanso e Paz.

 

Eu sou a grande Mãe Universal.

Tua filha, tua noiva e desposada.

A mulher e o ventre que fecundas.

Sou a gleba, a gestação, eu sou o amor.

 

A ti, ó lavrador, tudo quanto é meu.

Teu arado, tua foice, teu machado.

O berço pequenino de teu filho.

O algodão de tua veste

e o pão de tua casa.

 

E um dia bem distante

a mim tu voltarás.

E no canteiro materno de meu seio

tranquilo dormirás.

 

Estribilho

 

Plantemos a roça.

Lavremos a gleba.

Cuidemos do ninho,

do gado e da tulha.

Fartura teremos

e donos de sítio

felizes seremos.

 

Paisagem aldeã com agricultores

(Pieter Bruegel, o jovem: pintor flamengo)

 

Referência:

 

CORALINA, Cora. O cântico da terra. In: BRAGA, Rubem. A poesia é necessária. Organização de André Seffrin. 1. ed. São Paulo, SP: Global, 2015. p. 60-61.

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