O poeta chileno aqui
nos fala de uma despedida, junto aos familiares, amigos e conhecidos, de uma
forma lenta, paulatina, a ocorrer no fluxo do cotidiano, sem qualquer
formalidade ou padrão estabelecido, para que, sobrevindo a morte a qualquer um
de nós, não se surpreendam aqueles pela emissão de convites de funeral,
oratórios ou missas de sétimo dia dedicados ao finado.
E Neruda não nos fala
apenas de um despedir-se pouco a pouco dos outros, senão também de nós mesmos,
mormente de alguma evocação – poder-se-ia imaginar – por demais aderente à
nossa corporeidade, ao sentido de posse das coisas deste mundo, ao jogo de interesses
materiais, ao desfrute de riquezas a todo custo, tornando-nos assim menos
desapegados, mais afeitos a contrapartidas espirituais.
J.A.R. – H.C.
Pablo Neruda
(1904-1973)
Morir
Cómo apartarse de uno
mismo
(sin desconocerse
tampoco):
abrir los cajones
vacíos,
depositar el
movimiento,
el aire libre, el
viento verde,
y no dejar a los
demás
sino una elección en
la sombra,
una mirada en
ascensor
o algún retrato de
ojos muertos?
De alguna manera
oficial
hay que establecer
una ausencia
sin que haya nada
establecido,
para que la
curiosidad
sienta una ráfaga en
la cara
cuando destapen la
oratoria
y hallen debajo de
los pies
la llamarada del
ausente.
En: “Fin del mundo” (1969)
O pintor moribundo
(Hermine Laukota:
pintora tcheca)
Morrer
Como se afastar de si
mesmo
(sem, tampouco, se
desconhecer):
abrir as gavetas
vazias,
depositar o
movimento,
o ar livre, o vento
verde,
e não deixar aos
outros
senão uma escolha na
sombra,
um olhar no elevador
ou algum retrato de
olhos mortos?
De alguma forma
oficial,
há que se estabelecer
uma ausência
sem que nada haja de
estabelecido,
para que a
curiosidade
sinta uma rajada na
cara,
quando vier a deparar
com o oratório
e encontrar, sob os
pés,
a labareda do
ausente.
Em: “Fim do mundo”
(1969)
Referência:
NERUDA, Pablo. Morir. In: __________. Antología poética. Edición de Rafael Alberti. 1. ed. La Plata, AR: Planeta, nov. 1996. p. 439. (Ediciones ‘Planeta Bolsillo’)
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