Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 18 de fevereiro de 2023

Pablo Neruda - Morrer

O poeta chileno aqui nos fala de uma despedida, junto aos familiares, amigos e conhecidos, de uma forma lenta, paulatina, a ocorrer no fluxo do cotidiano, sem qualquer formalidade ou padrão estabelecido, para que, sobrevindo a morte a qualquer um de nós, não se surpreendam aqueles pela emissão de convites de funeral, oratórios ou missas de sétimo dia dedicados ao finado.

 

E Neruda não nos fala apenas de um despedir-se pouco a pouco dos outros, senão também de nós mesmos, mormente de alguma evocação – poder-se-ia imaginar – por demais aderente à nossa corporeidade, ao sentido de posse das coisas deste mundo, ao jogo de interesses materiais, ao desfrute de riquezas a todo custo, tornando-nos assim menos desapegados, mais afeitos a contrapartidas espirituais.

 

J.A.R. – H.C.

 

Pablo Neruda

(1904-1973)

 

Morir

 

Cómo apartarse de uno mismo

(sin desconocerse tampoco):

abrir los cajones vacíos,

depositar el movimiento,

el aire libre, el viento verde,

y no dejar a los demás

sino una elección en la sombra,

una mirada en ascensor

o algún retrato de ojos muertos?

 

De alguna manera oficial

hay que establecer una ausencia

sin que haya nada establecido,

para que la curiosidad

sienta una ráfaga en la cara

cuando destapen la oratoria

y hallen debajo de los pies

la llamarada del ausente.

 

En: “Fin del mundo” (1969)

 

O pintor moribundo

(Hermine Laukota: pintora tcheca)

 

Morrer

 

Como se afastar de si mesmo

(sem, tampouco, se desconhecer):

abrir as gavetas vazias,

depositar o movimento,

o ar livre, o vento verde,

e não deixar aos outros

senão uma escolha na sombra,

um olhar no elevador

ou algum retrato de olhos mortos?

 

De alguma forma oficial,

há que se estabelecer uma ausência

sem que nada haja de estabelecido,

para que a curiosidade

sinta uma rajada na cara,

quando vier a deparar com o oratório

e encontrar, sob os pés,

a labareda do ausente.

 

Em: “Fim do mundo” (1969)

 

Referência:

 

NERUDA, Pablo. Morir. In: __________. Antología poética. Edición de Rafael Alberti. 1. ed. La Plata, AR: Planeta, nov. 1996. p. 439. (Ediciones ‘Planeta Bolsillo’)

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