Quantos mortos em vão
pelo mundo, mortos pela fome, mortos pela opressão, mortos e desaparecidos por
motivos políticos, milhões de mortos em conflitos beligerantes, em campos de concentração,
afora os que, coercivamente e sem opção, são encaminhados ao fogo dos combates para
servirem como “buchas de canhão”.
A tais mortos se
refere o ente lírico, atingidos pelo efeito de “banalização” da morte, pouco repercutindo
os questionamentos éticos que se façam. Afinal, o que importa aos centros de
poder é que a indústria bélica seja preservada em plena carga, para manter a
economia em expansão, quando bem se poderiam empregar os recursos assim
despendidos – na ordem de trilhões de dólares – na atenuação da pobreza e da
fome em todo mundo.
Afirme-se, um emprego
altruísta de meios, em vez de demolidor, devastador, aniquilador de esperanças!
J.A.R. – H.C.
Primo Levi
(1919-1987)
Canto dei morti
invano
Sedete e contrattate
A vostra voglia,
vecchie volpi argentate.
Vi mureremo in un
palazzo splendido
Con cibo, vino, buoni
letti e buon fuoco
Purché trattiate e
contrattiate
Le vite dei nostri
figli e le vostre.
Che tutta la sapienza
del creato
Converga a benedire
le vostre menti
E vi guidi nel
labirinto.
Ma fuori al freddo vi
aspetteremo noi,
L’esercito dei morti
invano,
Noi della Marna e di
Montecassino,
Di Treblinka, di
Dresda e di Hiroshima:
E saranno con noi
I lebbrosi e i
tracomatosi,
Gli scomparsi di
Buenos Aires,
I morti di Cambogia e
i morituri d’Etiopia,
I patteggiati di
Praga,
Gli esangui di
Calcutta,
Gl’innocenti
straziati a Bologna.
Guai a voi se
uscirete discordi:
Sarete stretti dal
nostro abbraccio.
Siamo invincibili
perché siamo i vinti.
Invulnerabili perché
già spenti:
Noi ridiamo dei
vostri missili.
Sedete e contrattate
Finché la lingua vi
si secchi:
Se dureranno il danno
e la vergogna
Vi annegheremo nella
nostra putredine.
14 gennaio 1985
Campo de morte
(Dimitar Tzvetanov:
artista búlgaro)
Canto dos mortos em
vão
Sentem-se e negociem
À vontade, velhas
raposas prateadas.
Vamos emparedá-las
num palácio esplêndido
Com comida, vinho,
boas camas e fogo
Contanto que negociem
e acordem
As vidas de nossos
filhos e as suas.
Que toda a sabedoria
da criação
Concorra para
abençoar suas mentes
E as conduza pelo
labirinto.
Mas fora, no frio, as
esperaremos nós,
O exército dos mortos
em vão,
Nós do Marne e de
Montecassino,
De Treblinka, de
Dresden e Hiroshima:
E estarão conosco
Os leprosos e os
tracomatosos,
Os desaparecidos de
Buenos Aires,
Os mortos do Camboja
e os que vão morrer na Etiópia,
Os derrotados de
Praga,
Os exangues de
Calcutá,
Os inocentes
massacrados em Bolonha.
Ai de vocês se saírem
em desacordo:
Serão esmagados em
nosso abraço.
Somos invencíveis
porque vencidos.
Invulneráveis porque
já extintos:
Nós rimos de seus
mísseis.
Sentem-se e negociem
Até que suas línguas
sequem:
Se persistirem o dano
e a vergonha,
Nós as afogaremos em
nossa podridão.
14 de janeiro de 1985
Referência:
LEVI, Primo. Canto
dei morti invano / Canto dos mortos em vão. Tradução de Maurício Santana Dias. In:
__________. Mil sóis: poemas escolhidos. Seleção, tradução e
apresentação de Maurício Santana Dias. 1. ed. São Paulo, SP: Todavia, 2019. Em
italiano: p. 134; em português: p. 135.
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