Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

Primo Levi - Canto dos mortos em vão

Quantos mortos em vão pelo mundo, mortos pela fome, mortos pela opressão, mortos e desaparecidos por motivos políticos, milhões de mortos em conflitos beligerantes, em campos de concentração, afora os que, coercivamente e sem opção, são encaminhados ao fogo dos combates para servirem como “buchas de canhão”.

 

A tais mortos se refere o ente lírico, atingidos pelo efeito de “banalização” da morte, pouco repercutindo os questionamentos éticos que se façam. Afinal, o que importa aos centros de poder é que a indústria bélica seja preservada em plena carga, para manter a economia em expansão, quando bem se poderiam empregar os recursos assim despendidos – na ordem de trilhões de dólares – na atenuação da pobreza e da fome em todo mundo.

 

Afirme-se, um emprego altruísta de meios, em vez de demolidor, devastador, aniquilador de esperanças!

 

J.A.R. – H.C.

 

Primo Levi

(1919-1987)

 

Canto dei morti invano

 

Sedete e contrattate

A vostra voglia, vecchie volpi argentate.

Vi mureremo in un palazzo splendido

Con cibo, vino, buoni letti e buon fuoco

Purché trattiate e contrattiate

Le vite dei nostri figli e le vostre.

Che tutta la sapienza del creato

Converga a benedire le vostre menti

E vi guidi nel labirinto.

Ma fuori al freddo vi aspetteremo noi,

L’esercito dei morti invano,

Noi della Marna e di Montecassino,

Di Treblinka, di Dresda e di Hiroshima:

E saranno con noi

I lebbrosi e i tracomatosi,

Gli scomparsi di Buenos Aires,

I morti di Cambogia e i morituri d’Etiopia,

I patteggiati di Praga,

Gli esangui di Calcutta,

Gl’innocenti straziati a Bologna.

Guai a voi se uscirete discordi:

Sarete stretti dal nostro abbraccio.

Siamo invincibili perché siamo i vinti.

Invulnerabili perché già spenti:

Noi ridiamo dei vostri missili.

Sedete e contrattate

Finché la lingua vi si secchi:

Se dureranno il danno e la vergogna

Vi annegheremo nella nostra putredine.

 

14 gennaio 1985

 

Campo de morte

(Dimitar Tzvetanov: artista búlgaro)

 

Canto dos mortos em vão

 

Sentem-se e negociem

À vontade, velhas raposas prateadas.

Vamos emparedá-las num palácio esplêndido

Com comida, vinho, boas camas e fogo

Contanto que negociem e acordem

As vidas de nossos filhos e as suas.

Que toda a sabedoria da criação

Concorra para abençoar suas mentes

E as conduza pelo labirinto.

Mas fora, no frio, as esperaremos nós,

O exército dos mortos em vão,

Nós do Marne e de Montecassino,

De Treblinka, de Dresden e Hiroshima:

E estarão conosco

Os leprosos e os tracomatosos,

Os desaparecidos de Buenos Aires,

Os mortos do Camboja e os que vão morrer na Etiópia,

Os derrotados de Praga,

Os exangues de Calcutá,

Os inocentes massacrados em Bolonha.

Ai de vocês se saírem em desacordo:

Serão esmagados em nosso abraço.

Somos invencíveis porque vencidos.

Invulneráveis porque já extintos:

Nós rimos de seus mísseis.

Sentem-se e negociem

Até que suas línguas sequem:

Se persistirem o dano e a vergonha,

Nós as afogaremos em nossa podridão.

 

14 de janeiro de 1985

 

Referência:

 

LEVI, Primo. Canto dei morti invano / Canto dos mortos em vão. Tradução de Maurício Santana Dias. In: __________. Mil sóis: poemas escolhidos. Seleção, tradução e apresentação de Maurício Santana Dias. 1. ed. São Paulo, SP: Todavia, 2019. Em italiano: p. 134; em português: p. 135.

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