Do longo poema em quatro
cantos do autor francês, aqui estão, vertidos ao português pelo literato Claudio
Veiga, alguns versos extraídos aos cantos de I a III: são como que
recomendações e sentenças – um autêntico tratado para os versos clássicos – dirigidas
a quem pretende se dedicar à poética, essa sublime arte da beleza na linguagem.
Segundo os preceitos
de Boileau, para que alguém se proponha a escrita de uma obra poética em bons
termos, vale o respeito à clareza do pensamento, bem assim à contenção e à precisão
da linguagem empregada, sendo o esquema de rimas um recurso a reboque para se
desenvolver um dado assunto – agradável ou sublime –, limitados
convenientemente em termos de tempo e lugar.
J.A.R. – H.C.
Nicolas Boileau
(1636-1711)
Busto por François
Girardon
L’Art Poétique
(Extraits)
Quelque sujet qu’on
traite, ou plaisant, ou sublime,
Que toujours le bon
sens s’accorde avec la rime:
L’un l’autre
vainement ils semblent se haïr;
La rime est une
esclave et ne doit qu’obéir.
✿
Aimez donc la raison:
que toujours vos écrits
Empruntent d’elle
seule et leur lustre et leur prix.
✿
Qui ne sait se borner
ne sut jamais écrire.
✿
Enfin Mallherbe vint,
et, le premier en France,
Fit sentir dans les
vers une juste cadence,
D’un mot mis en sa
place enseigna le pouvoir,
Et réduisit la Muse
aux règles du devoir.
Par ce sage écrivain
la langue réparée
N’offrit plus rien de
rude à l’oreille épurée.
Les stances avec
grâce apprirent à tomber,
Et le vers sur le
vers n’osa plus enjamber.
Tout reconnut ses
lois; et ce guide fidèle
Aux auteurs de ce
temps sert encor de modèle.
✿
Avant donc que d’écrire,
apprenez à penser.
✿
Hâtez-vous lentement,
et, sans perdre courage,
Vingt fois sur le
métier remettez votre ouvrage:
Polissez-le sans
cesse et le repolissez;
Ajoutez quelquefois,
et souvent effacez.
✿
Un sonnet sans défaut
vaut, seul, un long poème.
✿
Un rimeur, sans
péril, delà les Pyrénées,
Sur la scène en un
jour renferme des années.
Là, souvent, le héros
d’un spectacle grossier,
Enfant au premier
acte, est barbon au dernier.
Mais nous, que la raison
à ses règles engage,
Nous voulons qu’avec
art l’action se ménage;
Qu’en un lieu, qu’en
un jour, un seul fait accompli
Tienne jusqu’à la fin
le théâtre rempli.
Cavaleiro no Umbral
(Ganesh Pyne: artista
indiano)
A Arte Poética
(Excertos)
Qualquer que seja o
assunto, engraçado ou sublime,
Deve nele casar o bom
senso com a rima.
Parece, em vão, que
os dois não se dão muito bem:
Cabe à rima servir,
sendo simples escrava.
✿
Amai, pois, a razão e
dela tão somente
Venha o brilho e o
valor que houver em vossos livros.
✿
Quem não sabe conter-se
não sabe escrever, nunca soube.
✿
Enfim chegou Malherbe
e, por primeiro, em França,
Nos versos fez sentir
uma justa cadência,
E no texto o lugar
que realça a palavra,
A rima reduzindo às
regras do dever.
Pelo sábio escritor,
a língua reparada,
Nunca mais ofendeu
ouvidos afinados;
As estrofes, com
graça, a cair aprenderam,
E não mais cavalgou o
verso sobre o verso.
Aceita a sua lei,
esse exemplo seguro
De modelo inda serve
a quem tenta escrever.
✿
Antes, pois, de
escrever aprendei a pensar.
✿
Dai pressa lentamente
e sem desfalecer;
Vinte vezes voltai à
mesa de trabalho,
Vosso escrito polindo
e sempre repolindo;
Às vezes acrescei,
sobretudo apagai.
✿
Longo poema vale um
soneto sem falha.
✿
Um rimador, impune,
além dos Pireneus,
Num dia só, na cena,
abarca muitos anos.
Lá, quanta vez, o
herói de grosseiro espetáculo,
É menino ao começo e
velho ao fim da peça.
Mas, nós, pela razão,
às regras apegados,
Nós queremos que a
ação, com arte, se desdobre,
Num só lugar, num
dia, um fato se conclua
E, até o fim,
mantenha o teatro repleto.
Referência:
BOILEAU, Nicolas. L’art poétique. Tradução de Cláudio Veiga. In: VEIGA, Cláudio (Seleção, organização e tradução). Antologia da poesia francesa: do século IX ao século XX. Edição bilíngue: francês x português. 1. ed. Rio de Janeiro, RJ: Record, 1991. Em francês: p. 128 e 130; em português: p. 129 e 131.
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