Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

Ángel González - O Futuro

O poeta espanhol inicia este poema com uma inflexão a opor o futuro ao porvir – aliás, tema de outra ode –, neste último caso, a sugerir uma espécie de aguardo pelo futuro desde o momento presente, pressentido como lancinante pelo sujeito lírico, por aglutinar “esperanças e decepções”, metaforizado, por fim, como a “pátria sombria da ilusão e do pranto”.

 

“Mas o futuro é outra coisa”: as especulações do falante nos trazem a ideia de que o futuro corresponde a um abrir caminhos entre as ondas, sulcando os mares pelos quais optamos, denotando com isso um certo zelo deliberado para o transformar naquilo a que nos propomos, com a robustez de nossa vontade, e não apenas aquilo “que Deus quiser”.

 

J.A.R. – H.C.

 

Ángel González

(1925-2008)

 

El Futuro

 

Pero el futuro es diferente

al porvenir que se adivina lejos,

terreno mágico, dilatada esfera

que el largo brazo del deseo roza,

bola brillante que los ojos sueñan,

compartida estancia

de la esperanza y de la decepción, oscura

patria

de la ilusión y el llanto

que los astros predicen

y el corazón espera

y siempre, siempre, siempre está distante.

 

Pero el futuro es otra cosa, pienso:

tiempo de verbo en marcha, acción, combate,

movimiento buscado hacia la vida,

quilla de barco que golpea el agua

y se esfuerza en abrir entre las olas

la brecha exacta que el timón ordena.

 

En esa línea estoy, en esa honda

trayectoria de lucha y agonía,

contenido en el túnel o trinchera

que con mis manos abro, cierro, o dejo,

obedeciendo al corazón, que manda,

empuja, determina, exige, busca.

 

¡Futuro mío...! Corazón lejano

que lo dictaste ayer:

no te avergüences.

Hoy es el resultado de tu sangre,

dolor que reconozco, luz que admito,

sufrimiento que asumo,

amor que intento.

 

Pero nada es aún definitivo.

Mañana he decidido ir adelante,

y avanzaré,

mañana me dispongo a estar contento,

mañana te amaré, mañana

y tarde,

mañana no será lo que Dios quiera.

 

Mañana gris, o luminosa, o fría,

que unas manos modelan en el viento,

que unos puños dibujan en el aire.

 

En: “Sin esperanza, con convencimiento” (1961)

 

O caminho para o futuro

(Salome Makharashvili: pintora georgiana)

 

O Futuro

 

Mas o futuro é diferente

do porvir que se adivinha distante,

terreno mágico, dilatada esfera

que o longo braço do desejo roça,

bola brilhante que os olhos sonham,

estância compartilhada

pela esperança e pela decepção, sombria

pátria

da ilusão e do pranto

que as estrelas predizem

e o coração espera

e sempre, sempre, sempre está distante.

 

Mas o futuro é outra coisa, penso:

tempo de verbo em marcha, ação, combate,

buscado movimento em direção à vida,

quilha de barco que golpeia a água

e se esforça em abrir entre as ondas

a brecha exata que o timão ordena.

 

Nessa linha estou, nessa funda

trajetória de luta e agonia,

contido no túnel ou trincheira

que com minhas mãos abro, fecho, ou deixo,

obedecendo ao coração, que manda,

empurra, determina, exige, busca.

 

Oh meu futuro...! Coração distante

que o ditaste ontem:

não te envergonhes.

Hoje é o resultado de teu sangue,

dor que reconheço, luz que admito,

sofrimento que assumo,

amor que intento.

 

Mas nada é ainda definitivo.

Amanhã terei decidido ir adiante,

e avançarei,

amanhã me disponho a estar contente,

amanhã te amarei, de manhã

e de tarde,

amanhã não será o que Deus quiser.

 

Manhã cinzenta, ou luminosa, ou fria,

que algumas mãos modelam ao vento,

que alguns punhos desenham no ar.

 

Em: “Sem esperança, com convicção” (1961)

 

Referência:

 

GONZÁLEZ, Ángel. El futuro. In: __________. Palabra sobre palabra. Poesía completa: 1956-2001. 1. ed. aumentada. Barcelona, ES: Seix Barral, 2004. p. 94-95. (“Los Tres Mundos”)

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