O poeta espanhol
inicia este poema com uma inflexão a opor o futuro ao porvir – aliás, tema de
outra ode –, neste último caso, a sugerir uma espécie de aguardo pelo futuro
desde o momento presente, pressentido como lancinante pelo sujeito lírico, por
aglutinar “esperanças e decepções”, metaforizado, por fim, como a “pátria
sombria da ilusão e do pranto”.
“Mas o futuro é outra
coisa”: as especulações do falante nos trazem a ideia de que o futuro
corresponde a um abrir caminhos entre as ondas, sulcando os mares pelos quais
optamos, denotando com isso um certo zelo deliberado para o transformar naquilo
a que nos propomos, com a robustez de nossa vontade, e não apenas aquilo “que
Deus quiser”.
J.A.R. – H.C.
Ángel González
(1925-2008)
El Futuro
Pero el futuro es
diferente
al porvenir que se
adivina lejos,
terreno mágico,
dilatada esfera
que el largo brazo
del deseo roza,
bola brillante que
los ojos sueñan,
compartida estancia
de la esperanza y de
la decepción, oscura
patria
de la ilusión y el
llanto
que los astros
predicen
y el corazón espera
y siempre, siempre,
siempre está distante.
Pero el futuro es
otra cosa, pienso:
tiempo de verbo en
marcha, acción, combate,
movimiento buscado
hacia la vida,
quilla de barco que
golpea el agua
y se esfuerza en
abrir entre las olas
la brecha exacta que
el timón ordena.
En esa línea estoy,
en esa honda
trayectoria de lucha
y agonía,
contenido en el túnel
o trinchera
que con mis manos
abro, cierro, o dejo,
obedeciendo al
corazón, que manda,
empuja, determina,
exige, busca.
¡Futuro mío...!
Corazón lejano
que lo dictaste ayer:
no te avergüences.
Hoy es el resultado
de tu sangre,
dolor que reconozco,
luz que admito,
sufrimiento que
asumo,
amor que intento.
Pero nada es aún
definitivo.
Mañana he decidido ir
adelante,
y avanzaré,
mañana me dispongo a
estar contento,
mañana te amaré, mañana
y tarde,
mañana no será lo que
Dios quiera.
Mañana gris, o
luminosa, o fría,
que unas manos
modelan en el viento,
que unos puños
dibujan en el aire.
En: “Sin esperanza,
con convencimiento” (1961)
O caminho para o
futuro
(Salome Makharashvili:
pintora georgiana)
O Futuro
Mas o futuro é
diferente
do porvir que se
adivinha distante,
terreno mágico,
dilatada esfera
que o longo braço do
desejo roça,
bola brilhante que os
olhos sonham,
estância
compartilhada
pela esperança e pela
decepção, sombria
pátria
da ilusão e do pranto
que as estrelas predizem
e o coração espera
e sempre, sempre,
sempre está distante.
Mas o futuro é outra
coisa, penso:
tempo de verbo em
marcha, ação, combate,
buscado movimento em direção
à vida,
quilha de barco que
golpeia a água
e se esforça em abrir
entre as ondas
a brecha exata que o
timão ordena.
Nessa linha estou,
nessa funda
trajetória de luta e
agonia,
contido no túnel ou
trincheira
que com minhas mãos
abro, fecho, ou deixo,
obedecendo ao
coração, que manda,
empurra, determina,
exige, busca.
Oh meu futuro...!
Coração distante
que o ditaste ontem:
não te envergonhes.
Hoje é o resultado de
teu sangue,
dor que reconheço,
luz que admito,
sofrimento que
assumo,
amor que intento.
Mas nada é ainda
definitivo.
Amanhã terei decidido
ir adiante,
e avançarei,
amanhã me disponho a
estar contente,
amanhã te amarei, de
manhã
e de tarde,
amanhã não será o que
Deus quiser.
Manhã cinzenta, ou
luminosa, ou fria,
que algumas mãos
modelam ao vento,
que alguns punhos
desenham no ar.
Em: “Sem esperança,
com convicção” (1961)
Referência:
GONZÁLEZ, Ángel. El
futuro. In: __________. Palabra sobre
palabra. Poesía completa: 1956-2001. 1. ed. aumentada. Barcelona, ES: Seix
Barral, 2004. p. 94-95. (“Los Tres Mundos”)
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