Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 12 de fevereiro de 2023

Vicente Gerbasi - Os assombros puros

Nalgum momento do passado, quando menor e ainda vivendo com os pais, o falante põe-se a reconhecer o que lhe pareciam ser as “trevas”, uma espécie de “escuridão no coração” a manifestar-se em eventos da natureza que auguram temporais – relâmpagos e trovões –, deixando-se assombrar por tudo quanto costuma eclodir à chegada das chuvas: insetos à mancheia, nuvens escuras num céu toldado, histórias que se contam de “olivais distantes” etc.

 

Os efeitos da sazonalidade poderiam ser apreendidos pelo leitor como resultantes de ações de espíritos a atormentar a imaginação tenra de um guri – ou seja, como “puros assombros” –, uma representação, um estado de segredo em vias de descoberta pelo falante (ou mesmo de certa aventura iniciática para o mundo dos adultos).

 

J.A.R. – H.C.

 

Vicente Gerbasi

(1913-1992)

 

Los asombros puros

 

Menciono el alba con mi perro

que, en el patio de la casa,

perseguía mariposas tornasoladas, rojas, azules,

como alucinaciones.

Pero las mariposas negras

permanecían prendidas a los techos,

inmóviles por muchos días,

hasta el advenimiento de las lluvias.

Había entonces oscuridad en mi corazón,

y veía las puertas viejas,

las escoriaciones de los muros,

y en las revistas que leía mi padre,

veía relámpagos sobre ovejas

desbandadas entre rocas.

Eran viejas historias de lejanas tierras de olivares.

Ah, pero en la renegrida cocina se encendía la leña,

y se enrojecían en las paredes los brillantes grumos de hollín.

El gato miraba algo, allá, entre los crisantemos,

fijamente, hasta que un trueno oscurecía las montañas.

Así mi edad reconocía las tinieblas.

 

En: “Por arte de sol” (1958)

 

Velho alimentando um cão

(James W. Champney: artista norte-americano)

 

Os assombros puros

 

Faço menção à aurora, eu em companhia de meu cão

que, no pátio da casa,

perseguia borboletas iridescentes, vermelhas, azuis,

como alucinações.

Mas as borboletas negras

permaneciam presas aos telhados,

imóveis por muitos dias,

até a chegada das chuvas.

Havia, então, escuridão em meu coração,

e via as velhas portas,

as escoriações nos muros,

e nas revistas lidas por meu pai,

via relâmpagos sobre ovelhas

dispersas entre rochas.

Eram velhas histórias de distantes terras de olivais.

Ah, mas na enegrecida cozinha se acendia a lenha,

e brilhantes grumos de fuligem avermelhavam as paredes.

O gato olhava algo, ali, entre os crisântemos,

fixamente, até que um trovão escurecia as montanhas.

Era assim que, naquela idade, eu reconhecia as trevas.

 

Em: “Pela arte do sol” (1958)

 

Referência:

 

GERBASI, Vicente. Los asombros puros. In: MIRANDA, Rocío (Ed.). 24 poetas latinoamericanos. 1. ed. México, MX: CIDCLI, 1997. p. 244. (Coedición ‘Latinoamericana’)

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