Nalgum momento do
passado, quando menor e ainda vivendo com os pais, o falante põe-se a
reconhecer o que lhe pareciam ser as “trevas”, uma espécie de “escuridão no
coração” a manifestar-se em eventos da natureza que auguram temporais – relâmpagos
e trovões –, deixando-se assombrar por tudo quanto costuma eclodir à chegada
das chuvas: insetos à mancheia, nuvens escuras num céu toldado, histórias que
se contam de “olivais distantes” etc.
Os efeitos da
sazonalidade poderiam ser apreendidos pelo leitor como resultantes de ações de
espíritos a atormentar a imaginação tenra de um guri – ou seja, como “puros
assombros” –, uma representação, um estado de segredo em vias de descoberta
pelo falante (ou mesmo de certa aventura iniciática para o mundo dos adultos).
J.A.R. – H.C.
Vicente Gerbasi
(1913-1992)
Los asombros puros
Menciono el alba con
mi perro
que, en el patio de
la casa,
perseguía mariposas tornasoladas,
rojas, azules,
como alucinaciones.
Pero las mariposas
negras
permanecían prendidas
a los techos,
inmóviles por muchos
días,
hasta el advenimiento
de las lluvias.
Había entonces
oscuridad en mi corazón,
y veía las puertas
viejas,
las escoriaciones de
los muros,
y en las revistas que
leía mi padre,
veía relámpagos sobre
ovejas
desbandadas entre
rocas.
Eran viejas historias
de lejanas tierras de olivares.
Ah, pero en la
renegrida cocina se encendía la leña,
y se enrojecían en
las paredes los brillantes grumos de hollín.
El gato miraba algo,
allá, entre los crisantemos,
fijamente, hasta que
un trueno oscurecía las montañas.
Así mi edad reconocía
las tinieblas.
En: “Por arte de sol”
(1958)
Velho alimentando um
cão
(James W. Champney:
artista norte-americano)
Os assombros puros
Faço menção à aurora,
eu em companhia de meu cão
que, no pátio da
casa,
perseguia borboletas
iridescentes, vermelhas, azuis,
como alucinações.
Mas as borboletas
negras
permaneciam presas
aos telhados,
imóveis por muitos
dias,
até a chegada das
chuvas.
Havia, então,
escuridão em meu coração,
e via as velhas
portas,
as escoriações nos
muros,
e nas revistas lidas
por meu pai,
via relâmpagos sobre
ovelhas
dispersas entre
rochas.
Eram velhas histórias
de distantes terras de olivais.
Ah, mas na enegrecida
cozinha se acendia a lenha,
e brilhantes grumos
de fuligem avermelhavam as paredes.
O gato olhava algo,
ali, entre os crisântemos,
fixamente, até que um
trovão escurecia as montanhas.
Era assim que, naquela
idade, eu reconhecia as trevas.
Em: “Pela arte do
sol” (1958)
Referência:
GERBASI, Vicente. Los
asombros puros. In: MIRANDA, Rocío (Ed.). 24 poetas latinoamericanos. 1.
ed. México, MX: CIDCLI, 1997. p. 244. (Coedición ‘Latinoamericana’)
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