A exemplo da postagem
de ontem, tem-se aqui mais uma autobiografia, só que em versos – como diria? – iconoclastas,
a retratar os dias do ente lírico até o momento em que se dispôs a redigi-la:
os eventos dizem respeito bem mais à juventude, lá pelos idos dos anos 50 ou 60
do século passado, período de auge do Cineac Trianon, no Rio de Janeiro – objeto
de referência logo no primeiro verso do infratranscrito poema.
Diz o falante que se
parece, pelo momento, ao Zé Carioca, malandro e mulherengo, sem “união estável”
– para se empregar uma terminologia contemporânea –, sem compromissos
religiosos – porque parece ter perdido a fé nos dogmas da Igreja –, e em
aflição diante da possibilidade de que seus dias terminem assim, de uma hora
para outra – ou em termos metafóricos, “que o [seu próprio] filme acabe”.
J.A.R. – H.C.
Armando Freitas Filho
(n. 1940)
Autobiografia até
agora
No Cineac
antes da descoberta
do Brasil
com a mãe a tiracolo
vendo o Arqueiro
Verde
(um Robin Hood de
segunda mão)
disparando suas
flechas morais.
Depois, punhetas,
colégios, lápis
a primeira caneta,
poesia, pin-ups
futebol, jogo de
botão e puteiros:
a sessão começa
quando você chega.
Agora, no escuro,
meio Zé Carioca
trocando de musa como
quem
troca de camisa, não
indo mais à missa
aflito, antes que o
filme acabe.
Divisibilidade
Indefinida
(Yves Tanguy: pintor
francês)
Referência:
FREITAS FILHO,
Armando. Autobiografia até agora. In: FERREIRA DA SILVA, Dora et al. Boa
companhia: poesia. 1. ed., 1. reimp. São Paulo, SP: Companhia das Letras,
2005. p. 95.
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