Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023

Armando Freitas Filho - Autobiografia até agora

A exemplo da postagem de ontem, tem-se aqui mais uma autobiografia, só que em versos – como diria? – iconoclastas, a retratar os dias do ente lírico até o momento em que se dispôs a redigi-la: os eventos dizem respeito bem mais à juventude, lá pelos idos dos anos 50 ou 60 do século passado, período de auge do Cineac Trianon, no Rio de Janeiro – objeto de referência logo no primeiro verso do infratranscrito poema.

 

Diz o falante que se parece, pelo momento, ao Zé Carioca, malandro e mulherengo, sem “união estável” – para se empregar uma terminologia contemporânea –, sem compromissos religiosos – porque parece ter perdido a fé nos dogmas da Igreja –, e em aflição diante da possibilidade de que seus dias terminem assim, de uma hora para outra – ou em termos metafóricos, “que o [seu próprio] filme acabe”.

 

J.A.R. – H.C.

 

Armando Freitas Filho

(n. 1940)

 

Autobiografia até agora

 

No Cineac

antes da descoberta do Brasil

com a mãe a tiracolo

vendo o Arqueiro Verde

(um Robin Hood de segunda mão)

disparando suas flechas morais.

Depois, punhetas, colégios, lápis

a primeira caneta, poesia, pin-ups

futebol, jogo de botão e puteiros:

a sessão começa quando você chega.

Agora, no escuro, meio Zé Carioca

trocando de musa como quem

troca de camisa, não indo mais à missa

aflito, antes que o filme acabe.

 

Divisibilidade Indefinida

(Yves Tanguy: pintor francês)

 

Referência:

 

FREITAS FILHO, Armando. Autobiografia até agora. In: FERREIRA DA SILVA, Dora et al. Boa companhia: poesia. 1. ed., 1. reimp. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2005. p. 95.

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