O componente hilário dos
poemas de Angélica Freitas inicia-se pelo próprio título que a poetisa atribuiu
ao poemário de onde extraídas estas linhas – “Rilke shake” –, a assemelhar-se
com “milkshake”, para desse modo, talvez, dar a entender que se trata de uma
recolha condensada qual uma “batida de ideias”, com algum “sabor” a evocar conteúdo ou forma de versos escritos pelo autor tcheco (ou, ainda, que
lhe faça algum contraponto).
No que tange ao poema
propriamente dito, encerra um “diálogo” hipotético entre a falante, dentro de
uma livraria, e os livros expostos nas prateleiras, já há tanto tempo ali
parados e loucos para serem “afanados” por alguém que os carregue: mas como a oradora
não ousa surrupiar nenhum deles, ao sair da loja ouve impropérios vindos das
estantes – “maricas”!
J.A.R. – H.C.
Angélica de Freitas
(n. 1973)
Entro na livraria do
bobo
Entro na livraria do
bobo.
não tenho dinheiro
e tampouco tenho talento
para o crime.
desfilam ante meus
olhos
títulos maravilhosos
moribundos de tanto
estar
nas prateleiras.
roube-nos, dizem
eles.
não aguentamos mais
ficar aqui
na livraria do bobo.
quem acreditaria
nesta versão dos
fatos?
ajudem-me, maragatos
nesta hora afanérrima
de uma libertadora
paupérrima
de livros.
retumba meu coração.
retumba
mais que a bateria do
salgueiro.
treme o corpo por
inteiro
e as mãos já suam em
bicas.
ganho a rua, as mãos
vazias
e os livros gritam:
maricas.
A Livraria
(William Oxer:
artista inglês)
Referência:
FREITAS, Angélica. Entro na livraria do bobo. In: __________. Rilke shake. 1. ed. São Paulo, SP: Cosac Naify; Rio de Janeiro, RJ: 7Letras, 2006. p. 8. (Coleção ‘Ás de Colete’; n. 15)
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