A zoeira dos cabarés
atrai o falante, e o caminho que leva até lá mostra-se tão degradado quanto o ambiente
daquelas boates, as quais se lhe revelam como um “paraíso”: trata-se, designadamente,
de um espírito “decaído”, amante da vida boêmia, libertina, desregrada, que se
compraz no vício – muito à maneira do próprio Verlaine.
Seja lá como for,
vazado em sua sonoridade e no esquema de rimas parelhas, o poema comporta certa
espécie de beleza – espectral, dir-se-ia –, nada convencional nas imagens
evocadas, nos retentivos matizes do preto, do vermelho e do verde, na anamnese da
paisagem urbana exulcerada, poluída, inquinada por tétricos senões por onde, mundano
às lufadas, vagueia o ente lírico.
J.A.R. – H.C.
Paul Verlaine
(1844-1896)
Le bruit des
cabarets...
Le bruit des
cabarets, la fange des trottoirs,
Les platanes déchus
s’effeuillant dans l’air noir,
L’omnibus, ouragan de
ferraille et de boues,
Qui grince, mal assis
entre ses quatre roues,
Et roule ses yeux
verts et rouges lentement,
Les ouvriers allant
au club, tout en fumant
Leur brûle-gueule au
nez des agents de police,
Toits qui dégouttent,
murs suintants, pavé qui glisse,
Bitume defoncé,
ruisseaux comblant l’égout,
Voilà ma route – avec
le paradis au bout.
Cabaré
(Rayisa Tanska:
artista ucraniana)
A voz dos
botequins...
A voz dos botequins,
a lama das sarjetas,
Os plátanos largando
no ar as folhas pretas,
O ônibus, furacão de
ferragens e lodo,
Que entre as rodas se
empina e desengonça todo,
Lentamente, o olhar
verde e vermelho rodando,
Operários que vão
para o grêmio fumando
Cachimbo sob o olhar
de agentes de polícia,
Paredes e beirais
transpirando imundícia,
A enxurrada entupindo
o esgoto, o asfalto liso,
Eis meu caminho – mas
no fim há um paraíso.
Referência:
VERLAINE, Paul. Le
bruit des cabarets... / A voz dos botequins... Tradução de Guilherme de
Almeida. In: ALMEIDA, Guilherme de (Seleção e tradução). Poetas de França. Prefácio de Marcelo Tápia. 5. ed. São Paulo, SP:
Babel, 2011. Em francês: p. 92; em português: p. 93.
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