É sobre a contumaz e
pernóstica distribuição de renda nos países da América Latina – Pindorama entre
eles – que o poeta peruano se detém: vivendo no “subterrâneo”, num mundo tantas
vezes qualificado de “invisível”, o falante pertence à classe dos esquecidos pelas
políticas públicas dos Estados, invariavelmente “capturadas” pelos
financeiramente mais anafados.
A voz lírica observa,
envergonhado, o mundo dos que tudo manejam, sabem escrever, cantar, dançar e
falar bonito: às margens da sociedade, nos bolsões da mais indigna pobreza,
quantos milhões sofrem, ademais, pelos preconceitos que lhes são dirigidos – o
preconceito linguístico aí incluso –, submetidos a um cotidiano sem esperanças
no porvir?!
J.A.R. – H.C.
Carlos Germán Belli
(n. 1927)
Segregación nº 1
(a modo de un pintor
primitivo culto)
Yo, mamá, mis dos
hermanos
y muchos peruanitos
abrimos un hueco
hondo, hondo,
donde nos guarecemos,
porque arriba todo
tiene dueño,
todo está cerrado con
llave,
sellado firmemente,
porque arriba todo
tiene reserva:
la sombra del árbol,
las flores,
los frutos, el techo,
las ruedas,
el agua, los lápices,
y optamos por
hundirnos
en el fondo de la
tierra,
más abajo que nunca,
lejos, muy lejos de
los jefes,
hoy domingo,
lejos, muy lejos de
los dueños,
entre las patas de los
animalitos,
porque arriba
hay algunos que
manejan todo,
que escriben, que cantan,
que bailan,
que hablan
hermosamente,
y nosotros rojos de
vergüenza,
tan sólo deseamos
desaparecer
en pedacitititos.
En: “Poemas” (1958)
Homem subterrâneo
(Orren Kickliter:
pintor norte-americano)
Segregação nº 1
(ao modo de um pintor
primitivo culto)
Eu, mamãe, meus dois
irmãos
e muitos peruaninhos
cavamos um buraco
fundo, fundo,
onde nos acolhemos,
porque em cima tudo
tem dono,
tudo está fechado com
chave,
solidamente trancado,
porque em cima tudo está
reservado:
a sombra da árvore,
as flores,
os frutos, o teto, as
rodas,
a água, os lápis,
e optamos por descer
ao fundo da terra,
mais fundo que nunca,
longe, muito longe de
chefes,
hoje, domingo,
longe, muito longe
dos donos,
entre as patas dos
animaizinhos,
porque em cima
há alguns que manejam
tudo,
que escrevem, que
cantam, que dançam,
que falam bonito,
e nós mortos de
vergonha,
apenas queremos
desaparecer
feitos em pedacinhos.
Em: “Poemas” (1958)
Referências:
Em Espanhol
BELLI, Carlos Germán.
Segregación nº 1. In: TAPSCOTT, Stephen (Ed). Twentieth-century latin american
poetry: a bilingual anthology (Spanish-English). Fifth paperback print. Austin
(TX): University of Texas Press, 2003. p. 314.
Em Português
BELLI, Carlos Germán. Segregação nº 1. Tradução de Ferreira Gullar. In: GULLAR, Ferreira (Organização e algumas traduções). O prazer do poema: uma antologia pessoal. Rio de Janeiro, RJ: Edições de Janeiro, 2014. p. 286.
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