Alpes Literários

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Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023

Carlos Germán Belli - Segregação nº 1

É sobre a contumaz e pernóstica distribuição de renda nos países da América Latina – Pindorama entre eles – que o poeta peruano se detém: vivendo no “subterrâneo”, num mundo tantas vezes qualificado de “invisível”, o falante pertence à classe dos esquecidos pelas políticas públicas dos Estados, invariavelmente “capturadas” pelos financeiramente mais anafados.

 

A voz lírica observa, envergonhado, o mundo dos que tudo manejam, sabem escrever, cantar, dançar e falar bonito: às margens da sociedade, nos bolsões da mais indigna pobreza, quantos milhões sofrem, ademais, pelos preconceitos que lhes são dirigidos – o preconceito linguístico aí incluso –, submetidos a um cotidiano sem esperanças no porvir?!

 

J.A.R. – H.C.

 

Carlos Germán Belli

(n. 1927)

 

Segregación nº 1

 

(a modo de un pintor primitivo culto)

 

Yo, mamá, mis dos hermanos

y muchos peruanitos

abrimos un hueco hondo, hondo,

donde nos guarecemos,

porque arriba todo tiene dueño,

todo está cerrado con llave,

sellado firmemente,

porque arriba todo tiene reserva:

la sombra del árbol, las flores,

los frutos, el techo, las ruedas,

el agua, los lápices,

y optamos por hundirnos

en el fondo de la tierra,

más abajo que nunca,

lejos, muy lejos de los jefes,

hoy domingo,

lejos, muy lejos de los dueños,

entre las patas de los animalitos,

porque arriba

hay algunos que manejan todo,

que escriben, que cantan, que bailan,

que hablan hermosamente,

y nosotros rojos de vergüenza,

tan sólo deseamos desaparecer

en pedacitititos.

 

En: “Poemas” (1958)

 

Homem subterrâneo

(Orren Kickliter: pintor norte-americano)

 

Segregação nº 1

 

(ao modo de um pintor primitivo culto)

 

Eu, mamãe, meus dois irmãos

e muitos peruaninhos

cavamos um buraco fundo, fundo,

onde nos acolhemos,

porque em cima tudo tem dono,

tudo está fechado com chave,

solidamente trancado,

porque em cima tudo está reservado:

a sombra da árvore, as flores,

os frutos, o teto, as rodas,

a água, os lápis,

e optamos por descer

ao fundo da terra,

mais fundo que nunca,

longe, muito longe de chefes,

hoje, domingo,

longe, muito longe dos donos,

entre as patas dos animaizinhos,

porque em cima

há alguns que manejam tudo,

que escrevem, que cantam, que dançam,

que falam bonito,

e nós mortos de vergonha,

apenas queremos desaparecer

feitos em pedacinhos.

 

Em: “Poemas” (1958)

 

Referências:

 

Em Espanhol

 

BELLI, Carlos Germán. Segregación nº 1. In: TAPSCOTT, Stephen (Ed). Twentieth-century latin american poetry: a bilingual anthology (Spanish-English). Fifth paperback print. Austin (TX): University of Texas Press, 2003. p. 314.

 

Em Português

 

BELLI, Carlos Germán. Segregação nº 1. Tradução de Ferreira Gullar. In: GULLAR, Ferreira (Organização e algumas traduções). O prazer do poema: uma antologia pessoal. Rio de Janeiro, RJ: Edições de Janeiro, 2014. p. 286.

 

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