A julgar pela composição de poemas insertos na obra em referência, os “velhos mestres” a que o título faz menção dizem respeito, sobretudo, ao prodigioso elenco de pintores que deixaram marcas na história da humanidade, a exemplo de Leonardo da Vinci, Miguel Ângelo, Caravaggio, Goya e outros.
A propósito, a expressão “velhos mestres” leva-nos a associá-la ao poema “Museu de Belas Artes”, do anglo-americano W. H. Auden (aqui postado), que também a emprega, para enfocar questões alusivas à fatalidade, à tragédia e à dor, bem assim à indiferença que costuma acompanhá-las. No presente caso, sobressai o tênue matiz nubiloso, como um posfácio inquisitivo frente à incompletude de toda a verdade alcançada pelo espírito humano.
J.A.R. – H.C.
José Paulo Moreira da Fonseca
(1922-2004)
Os Velhos Mestres
Uma clara pedra sabe como prender o sonho,
e bem o sabem a luz de Leonardo, as frases
de um poema,
a floresta de sons que o músico planta no silêncio.
Aquele momento próximo da verdade resta
para desenhar mais um breve traço
do escondido Rosto que o homem procura
nas nuvens ou na caverna, no fogo do sol ou
no gelo da noite.
As mãos jamais poderiam lavrar o vulto todo
que se move sorvendo o contínuo curso do tempo
para ser aos poucos, em aflita lentidão
a pressentir talvez que apenas a brancura
de uma coisa eterna
concederia ardor bastante a fim de que o sigilo
se revelasse.
É um querer jamais satisfeito
como o dos amantes que se unem
tentando um encontro livre do espaço de seus corpos
exaustos enfim por tão imensa busca.
É o pensamento que anseia pensar
um ser capaz de medir a sede
e impor ao seu estofo mais robusta consistência
do que a neblina, o fantasma
no qual a forma não cessa de perder-se
entregue aos anos, ao vento, à Fortuna:
fumo apagando-se na imensidão da tarde
terna e triste como um adeus
que se pausa, se renova soluçante
até que o escuro golpe da morte
tudo sele nas sóbrias estrelas além de nossos
gestos.
A vocação de São Mateus
(Caravaggio: pintor italiano)
Referência:
FONSECA, José Paulo Moreira da. Os
velhos mestres. In: __________. O tempo e a sorte. Rio de Janeiro, GB:
Tempo Brasileiro, 1968. p. 41-42. (Coleção ‘Tempoesia’; v. 8)
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