Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

Yves Bonnefoy - Vero nome

Elucubrando sobre a ressurgência à vida, a partir de um prévio estado de morte, mediante a restauração de toda memória que a ausência engendra, o poeta, consciente de que a morte mesma não pode ser peremptoriamente afastada, projeta uma realidade que acaba por renegá-la, pela transposição de um presumível porvir.

Nessa dialética de vida e morte, de repouso e movimento, devemos serenar o espírito, haja vista que, no correr dos dias, o aprendizado da morte se nos aflora como uma preleção reiterada, um mister ostensivo. Ademais, não havendo como fugir a esse pendular meneio entre a realidade de chumbo e uma visão sonhadora alternativa – seja ela qual for –, o mais sensato seria atentar para o fato de que o oblívio é o que a elas necessariamente sucederá.

J.A.R. – H.C.

 

Yves Bonnefoy

(1923-2016)

 

Vrai nom

 

Je nommerai désert ce château que tu fus,

Nuit cette voix, absence ton visage,

Et quand tu tomberas dans la terre stérile

Je nommerai néant l’éclair qui t’a porté.

 

Mourir est un pays que tu aimais. Je viens

Mais éternellement par tes sombres chemins.

Je détruis ton désir, ta forme, ta mémoire,

Je suis ton ennemi qui n’aura de pitié.

 

Je te nommerai guerre et je prendrai

Sur toi les libertés de la guerre et j’aurai

Dans mes mains ton visage obscur et traversé,

Dans mon cœur ce pays qu’illumine l’orage.

 

La lumière profonde a besoin pour paraître

D’une terre rouée et craquante de nuit.

C’est d’un bois ténébreux que la flamme s’exalte.

Il faut à la parole même une matière.

Un inerte rivage au delà de tout chant.

 

Il te faudra franchir la mort pour que tu vives,

La plus pure présence est un sang répandu.

 

Castelo na Floresta

(Sergey Voevodin: artista russo)

 

Vero nome

 

Chamarei deserto a este castelo que tu foste,

Noite à tua voz, ausência à tua face,

E quando caíres sobre a terra estéril,

Chamarei nada ao raio que te trouxe.

 

Morrer é um país que tu amavas. E eu venho

Eternamente por teus sombrios caminhos.

Destruo teu desejo, tua forma, tua memória,

Sou teu inimigo que não terá piedade.

 

Chamar-te-ei guerra e sobre ti

Tomarei as liberdades da guerra. Terei então

Em minhas mãos o teu rosto, obscuro e traspassado,

E em meu coração o país que acende a tempestade.

 

Da crepitação noturna de uma terra supliciada,

Necessita a luz para surgir

E é de bosques tenebrosos que a flama salta.

O próprio verbo sonha a essência,

Uma plácida margem além do canto.

 

Para que vivas, precisarás transpor a morte.

A mais imácula presença é um sangue entornado.

 

Folhetim, 10.02.85


Referências:

Em Francês

BONNEFOY, Yves. Vrai nom. In: __________. New and selected poems. Edited by John Naughton and Anthony Rudolf. A bilingual edition: French x English. Chicago, IL: The University of Chicago Press, 1995. p. 14.

Em Português

BONNEFOY, Yves. Vero nome. Tradução de Lenilde Freitas. In: SUZUKI JR., Matinas; ASCHER, Nelson (Organizadores). Folhetim: poemas traduzidos. São Paulo, SP: Folha de São Paulo, 1987. p. 106.

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