Redigir poesias sobre a pobreza é algo que, guardadas as proporções, mostra-se tão dificultoso quanto elaborar poemas sobre as iniquidades havidas nos campos de concentração da 2GM: é que repercute fundo no espírito humano o desrespeito à dignidade ou à vida das pessoas, isto, claro está, para quem se encontra em pleno domínio de suas faculdades mentais.
Mas a poetisa fluminense enfrenta o tema com considerável habilidade, enfatizando os contornos físicos de um velho homem, pedinte como muitos na Índia que então visitava, atribuindo-lhe os adjetivos “imortal” e “divino”, de alguma forma associando-o à figura de Cristo, vindo ao mundo, segundo os Evangelhos, despojado em sua grandeza numa humilde manjedoura.
J.A.R. – H.C.
Cecília Meireles
(1901-1964)
Pobreza
Não descera de coluna ou pórtico,
apesar de tão velho;
nem era de pedra,
assim áspero de rugas;
nem de ferro,
embora tão negro.
Não era uma escultura,
ainda que tão nítido,
seco,
modelado em fundas pregas de pó.
Não era inventado, sonhado,
mas vivo, existente,
imóvel testemunha.
Sua voz quase imperceptível
parecia cantar – parecia rezar
e apenas suplicava.
E tinha o mundo em seus olhos de opala.
Ninguém lhe dava nada.
Não o viam? Não podiam?
Passavam. Passávamos.
Ele estava de mãos postas
e, ao pedir, abençoava.
Era um homem tão antigo
que parecia imortal.
Tão pobre
que parecia divino.
Em: “Poemas Escritos na Índia” (1961)
Velho sentado num baú
(Jean-Baptiste C. Corot: pintor francês)
Referência:
MEIRELES, Cecília. Pobreza. In:
__________. Poesias completas: v. III. Rio de Janeiro, Civilização
Brasileira; Brasília, Instituto Nacional do Livro, 1973. p. 39.
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