Esta versão ao português, da tradução do persa ao inglês em referência, apresenta tantas diferenças em relação a outras traduções ao inglês, disponíveis na internet, que imagino resultar do profuso recurso a símbolos, alegorias e metáforas do original de Hafiz, fortemente conotado na mística tradicional islâmica, sem contar o provável efeito do marco sócio-político à época em que redigido o gazal.
Nesse sentido, torna-se bastante difícil compreender a real mensagem formulada pelo místico persa, pois ao não se deduzir com precisão o significado conotativo colimado pelos versos no original, como haverá de o tradutor bem verter para o idioma destinatário o seu teor?! Resultará que o tradutor tornar-se-á um “traidor” – como assevera, nesta postagem, o poeta e tradutor português José Bento.
J.A.R. – H.C.
Hafiz Al-Shiraz
(1315-1390)
(Pintura de Abolhassan Sadighi)
VII
(The return of Spring reawakens his
passion. The orthodox may
despise him, drunk with the wine of
unreason. But such as he
are the real friends of God, and, like
the Patriarchs, are under His
protection.)
Again the garden has got the glitter of Spring:
The nightingale hears good news, for the rose is
come.
Soft wind returning to the young plants of the
meadow,
Greet for us the rose, the cypress and the sweet
basil.
They are spread for the wedding-feast of the
wine-seller’s son,
And I’d sweep his floor with my eyelashes to win
such grace.
For that amber-scented strand you draw across a
moonlight
brow
Has made a shuttlecock of my heart, and set it
spinning.
I can’t trust those who sneer at us drinking down
to the lees:
That is the kind of thing which gets a bad name for
religion.
Let them learn to be friends with God’s true
friends; remember
that Noah in his ark,
A speck of dust himself, cared not a drop for the
deluge.
Go out through the door of the house of Fate with
its shifting
spheres,
Nor drink of the sky’s black bowl – it kills its
guest at the last.
Tell those whose holding at length is no more than
a fistful
of dust:
“What need of these proud domes you rear to the
sky?”
But as for you, you are Joseph, you are the Moon of
Canaan:
The stewardship of Egypt is yours; so bid this
prison good-bye.
Hafiz, drink wine, and be glad and reckless; but
don’t copy
those
Who make reciting the Book a cover for lies.
Jardim primaveril em flor
(Kazimir Malevich: pintor russo)
VII
(O regresso da primavera torna a
despertar a sua paixão. Os
ortodoxos podem desprezá-lo, ébrios com
o vinho da insensatez.
Mas, assim como ele, são os verdadeiros
amigos de Deus, e, como
os Patriarcas, estão sob a Sua
proteção.)
Uma vez mais, o jardim tem o brilho da
primavera
Uma vez mais, o jardim tem o brilho da primavera:
O rouxinol ouve boas novas, pois a rosa está
chegando.
O vento suave, retornando às tenras plantas do
prado,
Saúda por nós a rosa, o cipreste e o manjericão.
Estendem-se eles para as bodas do filho do mercador
de vinhos;
com minhas pestanas varreria o seu chão para colher
tal graça.
Pois esse cordel aromado a âmbar que traças sobre tua
fronte
enluarada
Converteu meu coração em um volante e o pôs a
girar.
Não posso confiar nos que zombam de nós a beber até
a
última gota:
Esse é o tipo de coisa que suscita má fama à
religião.
Que aprendam a ser amigos dos verdadeiros amigos de
Deus;
recorda de que Noé em sua arca,
um grão de poeira ele mesmo, não deu trato a uma gota
sequer
do dilúvio.
Sai pela porta da casa do Destino com suas irisadas
esferas,
e não bebas da taça negra do céu – pois que, ao fim,
mata o seu
hóspede.
Diz àqueles cujas posses em última
instância não são mais que
um punhado de pó:
“Qual a necessidade dessas orgulhosas
cúpulas que se levantam
aos céus?”
Porém quanto a ti, és José, és a lua de Canaã:
tua é a intendência do Egito, assim que te despeças
desta prisão.
Hafiz, bebe vinho, alegra-te e despreocupa-te; mas
não imites
aqueles que fazem da recitação do Livro um disfarce
para
mentiras.
Referência:
SHIRAZ, Hafiz of. Again the garden has
got the glitter of spring. In: __________. Thirty poems: an introduction
to the sufi master. Translated to English by Peter Avery and John Heath-Stubbs.
1st. ed. London, EN: John Murray Publishers Ltd., 1952. p. 20-21.
Nenhum comentário:
Postar um comentário