Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

Salvatore Quasimodo - Homem do meu tempo

A qual tipologia humana Quasimodo estaria a referir-se quando apõe o título acima ao seu poema? Alguma dúvida? Não poderia ser senão àquele homem que acabara de engendrar duas guerras mundiais, no decurso das quais – distantemente dos interesses de ordem econômica que, em tese, levaram a cabo tais conflitos – foram perpetrados os mais vis morticínios.

Os versos estão pejados de afinidades intertextuais com as crônicas das Escrituras, mormente com aquelas em que resulta vertido o sangue dos justos, atualizadas, séculos depois, pelo sórdido manejo da ciência, em estágio avançado, a apoiar ações miríades de vezes mais potentes, para lograr dissuadir os oponentes mediante um devastador poder de destruição.

J.A.R. – H.C.

 

Salvatore Quasimodo

(1901-1968)

 

Uomo del mio tempo

 

Sei ancora quello della pietra e della fionda,

uomo del mio tempo. Eri nella carlinga,

con le ali maligne, le meridiane di morte,

– t’ho visto – dentro il carro di fuoco, alle forche,

alle ruote di tortura. T’ho visto: eri tu,

con la tua scienza esatta persuasa allo sterminio,

senza amore, senza Cristo. Hai ucciso ancora,

come sempre, come uccisero i padri, come uccisero,

gli animali che ti videro per la prima volta.

E questo sangue odora come nel giorno

quando il fratello disse all’altro fratello:

“Andiamo ai campi”. E quell’eco fredda, tenace,

è giunta fino a te, dentro la tua giornata.

Dimenticate, o figli, le nuvole di sangue

salite dalla terra, dimenticate i padri:

le loro tombe affondano nella cenere,

gli uccelli neri, il vento, coprono il loro cuore.

 

Da: “Giorno dopo Giorno” (1947)

 

Caim assassina Abel

(Pietro Novelli: pintor italiano)

 

Homem do meu tempo

 

És ainda aquele da pedra e da funda,

homem do meu tempo. Estavas na carlinga,

com as asas malignas, as meridianas de morte,

– sim, te vi – dentro do carro de fogo, nas forcas,

nas rodas de tortura. Sim, te vi: eras tu,

com a tua ciência exata dirigida ao extermínio,

sem amor, sem Cristo. Mataste, ainda,

como sempre, como mataram os pais, como os

animais que te viram pela primeira vez.

E este sangue odora como no dia

que o irmão disse ao outro irmão:

“Vamos aos campos”. E aquele eco frio, tenaz,

chegou até os teus ouvidos, na tua jornada.

Esquecei, ó filhos, as nuvens de sangue

crescidas da terra, esquecei os avós:

os seus túmulos afundam nas cinzas,

os pássaros negros, o vento, lhes cobrem o coração.

 

De: “Dias após Dia” (1947)


Referências:

Em Italiano

QUASIMODO, Salvatore. Uomo del mio tempo. In: __________. Poesie scelte di Salvatore Quasimodo. A cura di Roberto Sanesi. 2. ed. Parma, IT: Guanda, 1960. p. 88. (‘Piccola Fenice’; n. 1)

Em Português

QUASIMODO, Salvatore. Uomo del mio tempo / Homem do meu tempo. Tradução de Sílvio Castro. In: __________. Poesias escolhidas. Tradução de Sílvio Castro. Rio de Janeiro, RJ: Opera Mundi, 1971. p. 141. (Biblioteca dos Prêmios Nobel de Literatura patrocinada pela Academia Sueca e pela Fundação Nobel; Prêmio de 1959: Salvatore Quasimodo, Itália)

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