Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 14 de fevereiro de 2021

Eugenio Montale - Delta

Este poema de Montale revela um fundo mergulho do poeta nos labirintos da imaginação, talvez em busca de uma revelação que venha à tona das águas marinhas num certo delta, presumivelmente às costas da Ligúria (IT) – tomadas como um foco fisicamente determinado –, explico-me melhor, em contraposição a um ímpeto recôndito assimilado pela memória, a pairar numa poética sobranceiramente metafísica.

Têm-se aí a exuberância da elocução, a sobriedade vocabular e o equilíbrio do ritmo mesclados a uma intrincada e ambígua sintaxe que não nos permite formar ideia exata sobre quem seria o “tu” a que se dirige o falante: se alguma força criativa, querubim, ou pessoa ausente. Nessa toada, em meio à névoa e à dissipação, os versos do poema acabam por expressar lamento e esperança – neste último caso, pela energia associável ao rebocador aproando de volta ao golfo.

J.A.R. – H.C.

 

Eugenio Montale

(1896-1981)

 

Delta

 

La vita che si rompe nei travasi

secreti a te ho legata:

quella che si dibatte in sé e par quasi

non ti sappia, presenza soffocata.

 

Quando il tempo s’ingorga alle sue dighe

la tua vicenda accordi alla sua immensa,

ed affiori, memoria, più palese

dall’oscura regione ove scendevi,

come ora, al dopopioggia, si riaddensa

il verde ai rami, ai muri il cinabrese.

 

Tutto ignoro di te fuor del messaggio

muto che mi sostenta sulla via:

se forma esisti o ubbia nella fumea

d’un sogno t’alimenta

la riviera che infebbra, torba, e scroscia

incontro alla marea.

 

Nulla di te nel vacillar dell’ore

bige o squarciate da un vampo di solfo

fuori che il fischio del rimorchiatore

che dalle brume approda al golfo.

 

Delta do Mekong

(Tvesha Singh: artista indiana)

 

Delta

 

A vida que se rompe e se transfunde

em segredo, eu a ti tenho ligada:

ela que se debate e nem parece

saber tua presença sufocada.

 

Quando o tempo se estanca nos seus diques

à dele alias tua história imensa,

e mais afloras, memória, evidente

da escura região onde desceste,

como de novo é denso, após a chuva,

nos ramos o verde, o cinabre nos muros.

 

Tudo ignoro de ti salvo a mensagem

muda que me sustenta no caminho:

se forma és ou fantasia em fumos

de um sonho te alimenta

o rio que enfebrece, turva, e cachoa

de encontro à maré.

 

Nada de ti nas horas do livor

que vacila ou rasga um facho de enxofre

afora o apito do rebocador

que das brumas aproa ao golfo.


Referência:

MONTALE, Eugenio. Delta / Delta. Tradução de Renato Xavier. In: __________. Ossos de sépia: 1920-1927. Tradução prefácio e notas de Renato Xavier. Edição bilíngue. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2011. Em italiano: p. 190; em português: p. 191. (Edição comemorativa dos 25 anos da Companhia das Letras)

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